Mark Tansey Monte Sainte Victoire

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Rancière, Jacques « Gambiarre

Rancière, Jacques « Gambiarre
pequeno dossiê sobre Jacques Rancière
A estética e a política são maneiras de organizar o sensível: de dar a entender, de dar a ver, de construir a visibilidade e a inteligibilidade dos acontecimentos. Para mim, é um dado permanente. Jacques Rancière

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ciclo de Palestras, com Martin Grossmann 31/08/11

Na próxima quarta-feira (31), Martin Grossmann fará a abertura do Ciclo de Palestras das exposições “O Louvre e seus Visitantes” e “O Diverso no Acervo”.

O Ciclo de Palestras dessa programação tem como intuito trazer o museu e sua condição contemporânea no que tange à reflexão e ao acesso – “Museu sem Paredes: de Malraux a virtualidade”.

Martin Grossmann
...
Professor Titular da Universidade de São Paulo. Diretor do Centro Cultural São Paulo de agosto de 2006 a maio de 2010. Vice-Diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP de 1998 a 2002 Criador e Curador-Coordenador do “Fórum Permanente: Museus de Arte, entre o público e o privado” [www.forumpermanente.org]. Criador e Coordenador do Serviço Educativo do MAC-USP de 1985 a 1987. Criador e Coordenador do USPonline [www.usp.br], portal de informações da USP na Web de 1995 a 1998.


Na mesma noite contaremos com o Lançamento da Coleção Fórum Permanente de Livros.


Serviço

Ciclo de Palestras, com Martin Grossmann

Dia: 31 de agosto (quarta-feira)
Horário: 19h às 21h
Local: Museu de Arte do Espírito Santo – Dionísio Del Santo (Maes)

40 vagas. Os interessados deverão comparecer com 30 minutos de antecedência. Será emitido certificado.

Os Ciclo de Palestras serão sempre transmitidos AO VIVO através do www.portalyah.com

terça-feira, 23 de agosto de 2011

ESQUEMA GERAL DAS FASES DO DISCURSO SOBRE ARTE NO OCIDENTE

•1- O advento das teorias do belo e do fazer criador nas obras de Platão e de Aristóteles e, ainda, da oposição entre mimese/ representação e expressão — que se estenderam até o renascimento articulando a tríade: belo=bem=verdade.

•2- O Século XVIII distingue-se pelo advento da estética: 1750 G. Baumgarten publica a Aesthetica, em 1790 Emanuel Kant publica A crítica do juízo, surge no quadro preparado, principalmente, pela emergência das questões da percepção, desinteresse, da apreciação, do sublime e sensível especialmente solicitações do paradoxo do gosto levantadas por David Hume. Georg Friedrich Hegel cerca de 1820 diz que a estética, como teoria da sensibilidade, não dá conta do estudo das obras de arte e funda a história da arte (uma ciência).

•3- No fim do Século XIX, surgem inúmeras teorias da arte, num quadro marcado por debates e polêmicas entre membros da filosofia romântica e seus críticos como Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche. Elas se multiplicam com a filosofia fenomenológica, o descentramento da secular preocupação com o belo. Isso produz uma atomização cada vez maior da estética em versões particularizadas e diferenciais. Praticamente fora da filosofia a estética filosófica cede terreno para as incontáveis teorias da arte (SANTAELLA).

• 4- Denomina-se o período contemporâneo de póscrítico. Neste se recoloca as questões estéticas de volta ao centro da discussão sobre a arte e a cultura. A questão da subjetividade, o tema da morte do homem, da morte da arte (e outras mortes) remetem todas ao estatuto do autor, do sujeito pensante como criador, motivo pelo qual a estética retorna à arte, como seu objeto privilegiado de reflexão. O termo poscriticismo é proposto por Peter Einseman, que diz em "Formar o pós crítico" citando o Rosalind Kraus e Yves-Alain Bois: "O que está em jogo é a conservação da singularidade dos objetos ao desligá-los de seus modos convencionais de legitimação”. Iser Wolfgang diz que embora as artes experimentais tenham se tornado marginais, o estético faz um retorno triunfante porque, num mundo cada vez mais desorientado, somente ele pode comunicar ou enfrentar uma realidade de finalidade aberta.
Se crítica (krinein) significa distinguir, separar, a dificuldade de traçar linhas divisórias o momento apresenta-se como problemático, de crise de discernimento. A questão aproxima-se da que Arthur Danto defende em sua tese sobre o fim da arte. "Se a Brillo Box (1964), de Andy Warhol, é arte qualquer coisa pode ser. Porque nada a diferencia das caixas comuns de detergente. Assim, não haveria nenhum modo especial de ser da obra de arte". Baitello in Itaú Cultural.
Em A eterna obsessão, Angélica de Moraes diz que:
"Em Após o Fim da Arte: Arte Contemporânea e os Limites da História (Edusp, 2006), Danto esclarece que o fim da arte consiste na tomada de consciência de sua verdadeira natureza filosófica. Ao invés de cancelar a validade do exercício da arte, ele a amplia e distende para abranger um campo ainda mais vasto."
 
 
Referências

EINSEMAN, Peter. Formar lo poscrítico, arquitetura, función y significado. Madrid. Revista Arquitectura Viva. n. 50 sept.-outu., 1996.
JUNIOR, Norval Baitello. A arte está morta. In. http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2720&cd_materia=852
SANTAELLA, Lúcia. Estética de Platão a Peirce. (...)

TELLES. Sophia. Falem os projetos. Revista AU, 1992

 
 

O que é a crítica?

critica.pdf (objeto application/pdf)

O que é a crítica? [Crítica e Aufklärung]. Michel Foucault
Qu'est-ce que la critique? Critique et Aufklärung. Bulletin de la Société française de philosophie, Vol. 82, nº 2, pp. 35 - 63, avr/juin 1990 (Conferência proferida em 27 de maio de 1978). Tradução de Gabriela Lafetá Borges e revisão de wanderson flor do nascimento.

Shakeaspeare e a livre especulação

Na idade média há a interrupção do estudo teórico da teoria do belo autônomo, ou seja desde Plotino até ao Sc. XVIII. Na idade média não havia consciência estética, a finalidade da arte a criação do belo restringia-se a representação do "esplendor divino", devido a autoridade da Igreja sobre a arte. No Renascimento isso começa a mudar então um proefessor de estética pergunta: "Por que a estética é um advento posterior a Rafael?". De modo semelhente ao que se sucedeu com a filosofia da arte (identidade entre belo e ideal) que é posterior a Fidias, pois na Grécia o processo secular e religioso se completa somente após Fidias. Assim, o espírito reflexivo e analítico que segue o período de Rafael só se completa no Séc. XVIII. Embora no renascimento possibilitasse o desenvolvimento da autonomia do belo frente a esfera moral, quer dizer, a arte então genericamente concebida, passa a codificar-se em subdivisões específicas e a mímese entendida como imitação realista da beleza natural.
O ponto de cisão entre religião e cultura secular não ocorre com Rafael (e seu tempo), mas se inicia com Shakeaspeare. Não é no campo da visualidade que este ocorre, mas no drama. Em Shakespeare a arte se torna independente da arte clássica e propõe a livre-expressão: o problema da dúvida, da escolha, da paixão. A tarefa imediata é despertar da livre-especulação, que abre a senda do desenvolvimento da estética como elemento integral da filosofia moderna.

The Death of Lady Macbeth “ Dante Gabriel Rosseti

Ophelia, John Everett Millais

 

Querelle des Anciens et des Modernes.

Jurgen Habermas na defesa da modernidade enquanto um “projeto incabado” em seu livro “Discurso Filosófico da Modernidade” aponta que “é primeiramente no domínio da crítica estética que se toma consciência de uma fundamentação da modernidade a partir de si própria, e isso se torna claro quando se traça a história do conceito de “moderno”. “O processo de separação do paradigma da arte antiga é iniciada na célebre Querelle des Anciens et des Modernes. O partido dos modernos insurge-se contra a idéia que o classicismo francês tem de si próprio, assimilando o conceito aristotélico de perfeição ao do progresso tal como fora sugerido pelas modernas ciências da natureza. Os “modernos” põem em questão, com argumentos de crítica histórica o sentido de imitação dos modelos antigos, em face das normas de uma beleza absoluta, aparentemente desligada do tempo, elaboram os critérios de um belo relativo e condicionado pelo tempo e, dessa forma, articulam a autocompreensão do Iluminismo francês, como recomeço epocal. Conquanto o substantivo modernitas (juntamente com os adjetivos antiqui/moderni fosse já usado no sentido cronológico desde os fins da Antiguidade) (...). só muito tarde, mais ou menos, a partir do Século XIX, é que o adjetivo moderno foi substantivado, e de novo, pela primeira vez no domínio das Belas Artes”. Assim se explica as expressões modernidade, Moderne, Modernität, modernité, que conservam até hoje um cerne de significado estético pela autocompreensão da arte de vanguarda. (Habermas, p. 19-20).

Habermas também relata, com base na análise dos textos de Hegel, que a idade moderna elabora um “ diagnóstico dos novos tempos e a análise das eras passadas” em mútua relação. “A isso corresponde a nova experiência do progredir e da aceleração dos acontecimentos históricos, e também, a compreensão da simultaneidade cronológica de desenvolvimento não simultâneo. É então que se cria a representação da história como processo homogêneo criador de problemas”, do tempo concebido como pressão. O espírito da época [Zeitgest] caracteriza o presente como uma transição que se concome entre a consiência de aceleração e a expectativa do que há de diferente. (Habermas, p. 17).

Os Antecedentes da Querelle des Anciens et des Modernes na Arquitetura
A Academia Real era o dispositivo de controle da qualidade da arquitetura e da construção, nos séculos XVII e XVIII (período pré revolucionário). A Academia constitui o referencial teórico que condicionava a ação dos arquitetos, conferindo lhes uma relativa autoridade de exercer a profissão. A L’académie Royale D’architecture foi criada em 1671  por Colbert, ministro de Luis XIV (LASSANCE).
A L’académie Royale D’architecture tinha como missão oficial aconselhar a Superintendência dos Edifícios do Rei. Pretendia também perpetuar uma determinada maneira de construir, que fizesse a arquitetura a forma de expressão do Estado absolutista, expressão do seu poder. Constitui-se como a primeira forma institucionalizada de ensino, privilegiando o estudo das ordens clássicas e sua utilização como verdadeiros cânones da academia. A academia impunha o domínio das regras da arquitetura em relação ás regras e as técnicas da construção (LASSANCE).
Esta autoridade balizada pelo rei colocou os arquitetos em concorrência direta com outros agentes da construção como as corporações de ofício que comandavam o setor da construção desde a Idade Média,  assim como os engenheiros civis formados pela Ecole des Ponts et Chaussées, fundada em 1747. Os engenheiros competiam com os arquitetos porque se atribuem (e abarcam), às vésperas da Revolução Francesa, todo o vasto domínio do planejamento e do equipamento urbano e territorial. Os arquitetos, então, resolveram aproximar-se do racionalismo iluminista. Assim os preceitos de Vitrúvio (29 D.C.) foram adaptados ao conhecimento científico da época. Uma faceta dessa discussão constitui-se, exatamente, a querela (disputa, polêmica) entre os antigos e os modernos (LASSANCE): Querelle des Anciens et des Modernes.
Os dois principais antagonistas da disputa entre os antigos e modernos foram François Blondel (partido dos antigos) e Claude Perrault (modernos). O motivo da discussão foi uma publicação do antigo tratado de Vitrúvio por Claude Perrault (1613-1688), que traduz e edita os Dez livros de Arquitetura de Vitrúvio em 1673. Este é acompanhado de muitas gravuras e notas que são interpretações do texto antigo e não cópias do original  Estas interpretações provocam um debate e disputa entre Perrault e Blondel.
A posição de François Blondel (1618-1686), publica seu livro “enseignement à l’Académie royale d'architecture de 1675 à 1685” sous le titre " Cours d’architecture ". Nesta publicação, Blondel expressa sua compreensão dos conceitos de proporção, sua concepção de beleza que se opõe a de Claude Perrault e de seu irmão Charles, autor de "Parallèle de l’architecture antique avec la moderne " que provoca em1650 la querelle des Anciens et des Modernes.
A polêmica era basicamente uma discussão estética, sua questão principal era: A beleza é conseqüência de regras válidas ou vem imposta pelo prestígio dos antigos?
François Blondel acreditava que existia uma beleza em si, proporcionada pela natureza, e as proporções que os arquitetos combinam as formas demonstravam que carregavam em si a idéia de beleza. Blondel ligado à academia real estava interessado numa linguagem universal, contra a degenerência individualista que a posiçãode Perrault possibilitaria.
Claude Perrault, acostumado ao método analítico de diversas espécies e buscas de causalidades. Invocava a diversidade de opiniões. E discordava da idéia que a regras de proporção deveriam ser invariáveis. Para ele existiam regras diversas para construir de acordo com diversas intenções de fazer um edifício maciço ou elegante. Perrault distingue dois tipos de beleza: a de valor permanente e universal e a que tem valor transitório, ligada ao costume e a moda. Perrault dizia que regras feitas a 3000 anos não pode regular o que se faz hoje (sec. XVII). Tudo muda inclusive a beleza e as idéias.

Por fim declarava-se que o “gosto” não dependia mais de uma proporção ou regra, mas da emoção/ sentimento do espectador. Em 1793, a academia foi extinta, e firam explícitas as contradições entre Racionalismo e academicismo.
Na querela entre os antigos e modernos estava em jogo a definição da “verdade da natureza dos estilos” e sua razão histórica. Os antigos defendiam o valor mítico enquanto os modernos mostravam o seu caráter instrumental e racionalizador. A defesa do código clássico não resistia a confrontação com os vestígios dos edifícios da antiguidade que eram analisados (Lassance, op. Cit.) Por fim os modernos “vencem” e ocorre a distinção entre ordem, estrutura e códigos estilísticos. A estrutura construtiva adquire valor de essência; a equiparação entre estrutura e ordem torna-se uma condição estrutural e compositiva. Ainda, os modernos põem em questão o sentido da imitação dos modelos antigos, em face das normas de uma beleza absoluta, deslocada no tempo, e elaboram critérios de um belo relativo e condicionado pelo tempo.
Na querela entre os antigos e modernos a crítica, a recusa de ser governado por uma autoridade mítica podem-se verificar a dúvida a confiabilidade dos antigos tratados, métodos que buscavam garantir a “perfeição da experiências do projeto e construção, tal como indica o primeiro ponto da critica à governabilidade Foucault (em o que é a crítica?) “a Escritura era verdadeira?” e ainda da dúvida em face da autoridade. Como dito acima por Lassance : “A defesa do código clássico não resistia a confrontação com os vestígios dos edifícios da antiguidade que eram analisados” sobretudo nas escavações arqueológicas.

Referências
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: Presença. 1990.
LASSANCE, Gulherme. Ensino e teoria da Arquitetura na França do século XIX. In Leituras em Teoria da Arquitetura. Ed.Viana & Mosley

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Arte Como Imitação da Natureza (Século XVIII)

Arte Como Imitação da Natureza
A mimese não era um conceito unanime no século XVIII: Conceito recuperado no século XVII, teorizado por Aristóteles diz que a arte imita a natureza.As “Belas Artes” estão situadas na prática que toma suas leis do gênio. Dando assim certa preeminência as artes mecânicas sobre artes liberais. Diderot prefere a pratica, pois esta apresenta dificuldades, propõe os fenômenos - teoria explica os fenômenos e elimina as dificuldades.
SHAFTESBURG (sua doutrina aliava empirismo e platonismo) tinha a idéia que arte é criação e não imitação. O artista é considerado um outro criador, um Prometeu.
VICO abandona o conceito de mimese e explora o conceito de fantasia, atividade especifica do fenômeno artístico, irá considerá-la como fonte de criação poética.
A mimese do classicismo racionalista do século XVII não era uma imitação naturalística, mas antes uma poética de cunho idealista. O importante não é o naturalismo da natureza (empírico, tangível, pitoresco), mas seu sentido intimo, profundo, o qual reflete uma natureza humana idealizada. Em BOILEAU (século XVII) o modelo é a forma bem sucedida.” ... de uma palavra bem colocada reduziu as musas as regras do dever” diz num texto.


Para Diderot, se a natureza não é Deus, a imitação procede da natureza, mas no entanto não se deve imitar a verdade, mas o verossímil. Deve-se escolher da natureza o que vale a pena ser reproduzido. O trabalho do artista é, pois, tornar belo o mundo sensível pela transformação de um modelo ideal captado do real, na natureza. A concepção de Diderot afasta-se da concepção determinista da mimese, para afirmar que a arte é seleção, e busca de um ideal guiado pela sensibilidade do artista. à que são responsáveis pela beleza da obra de arte. “A natureza que os homens percebem com os sentidos, apreende com o intelecto e transformam com a ação”.


Proportions de la statue d’Antinoüs (Encyclopédie, Dessin, Pl. 34)
Proportions de l’Hercule Farnèse (Encyclopédie, Dessin, Pl. 33)


STAROBINSKI diz, então, que o idealismo clássico vai ser repensado, modificado, em sua acepção intelectualizante e orientada num outro sentido.

 D’Alembert no discurso Preliminar (1751)
A imitação da natureza tão conhecida e recomendada pelos antigos é a imitação dos objetos capazes de excitar em nós sentimentos vivos e agradáveis consiste em geral, na “Bela Natureza”. Sobre ele tantos autores escreveram sem dar uma idéia precisa, seja porque a bela natureza só é percebida por um espirito refinado, seja também porque nesta matéria os limites que distinguem o arbítrio verdadeiro não estão bem fixados e deixam algum espaço livre à opinião” Continua D’Alembert na arquitetura e imitação da “Bela Natureza” é menos impressionante... A arquitetura limita-se a imitação pela agregação, pela união de diferentes corpos que usa a disposição simétrica da natureza que contrasta com a variedade do conjunto. (Discurso Preliminar pág. 43)
Milizia (1781) - Diz que a arquitetura é uma arte de imitação como são todas as artes. A diferença é que as últimas têm, em alguns casos, um modelo natural sobre o que basear seu sistema de imitação. A arquitetura carece deste modelo, mas a indústria natural dos homens ofereceu um modelo alternativo quando construíram seus primeiros alojamentos. O método que Milizia propunha era a imitação “para nosso uso e para fazer uma seleção de partes naturais perfeitas, que constituem um conjunto perfeito, como não se pode falar em natureza. A natureza nunca forma um conjunto perfeito” (para ele). Os produtos perfeitos surgem das escolhas feitas pelos homens de gosto e de talento. Estes escolhem e combinam do modo mais adequado para seu objeto, e forma com ele um todo medido que chamamos “Bela Natureza”. Para Milizia os períodos de decadência da arquitetura adotou a dificuldade de reconstruir este modelo original, princípios gerais, constantes, e positivos

A Bela Natureza
A bela natureza não tem obrigação de produzir conhecimento; é o livre jogo da imaginação e o entendimento. É a própria experiência do prazer estético. Kant diz que é como se a natureza manifestasse a presença das marcas da arte. Tanto a cabana primitiva de Laugier e a bela natureza de Milizia (eram produtos de imaginação)
O papel dos antigos à STAROBINSKI, lembra que na relação-oposição entre ideal e sensivel, as buscas dos “modelos” nem sempre passavam pela natureza. Alguns persuadidos que os antigos foram os únicos a perceber o ideal, fazem deles seus mediadores.Winckelmann diz que o estudo da natureza é complexo. O estudo, a síntese, a escolha já foram feitos pelos antigos. Os modelos gregos eram os mais belos, fizeram a síntese na sua arquitetura de traços dispersos na natureza. E não se contentaram em representar a natureza, criaram uma outra, a beleza mítica (deuses).



Referências:

STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: EdUNESP. 1994.
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes

Mímese: Platão e Aristóteles

A arte opera o encantamento do ilusionista Platão, A República

— Considera então o seguinte. Que objetivo propõe-se a pintura com relação a cada objeto? O de representar o que é tal como é ou o que parece tal como parece; a imitação da aparência ou da realidade?

Da aparência, diz ele.

A arte de imitar está, então, bem distante da verdade e se pode tudo executar, no que parece, é porque atinge apenas uma pequena parte de cada coisa, e essa parte não é mais que um fantasma. Podemos dizer, por exemplo, que o pbror pintará um sapateiro, um carpinteiro ou algum outro artífice, sem conhecer o ofício de nenhum deles; mas nem por isso , se for bom pintor, deixará de iludir as crianças e os ignorantes, pintando um carpinteiro e mostrando-o de longe, porque lhe é dado a aparência de um autêntico carpinteiro.

‑ Tomemos, portanto, como certo, que todos os poetas, a começar de Homero, tenham suas invenções a virtude ou qualquer outra coisa como objeto, são apenas imitadores de imagens e não alcançam a verdade; é assim que um pintor fará, como dizíamos há pouco, sem nada entender de fazer sapatos, um sapateiro que parecerá verdadeiro àqueles que tanto quanto ele, nada entendem disso mas julgam pela cor e pela forma (....)

‑ Do mesmo modo diremos, creio eu, que o poeta, por meio de palavras e frases, reveste cada uma das artes com as cores que lhe convém, sem delas entender mais que a imitação, se bem que pessoas como ele, que julgam só pelas palavras, quando o ouvem falar, com os prestígios da medida, do ritmo e da harmonia, seja da arte de fazer sapatos, da condução dos exércitos ou de outro assumo qualquer, consideram que ele fala com muita pertinência, tanto esses ornamentos possuem em si mesmos um encanto natural; mas, se despojamos as obras dos poetas das cores da poesia e as recitamos reduzidas a si mesmas, sabes, eu creio, que figura fazem; já percebestes isso, sem dúvida.

Pode-se compará-las àqueles rostos que, não modo outra beleza além do próprio frescor, deixam de atrair os olhos quando a flor da juventude os abandonou.



imitar está em nossa natureza

Aristóteles, Poética

Imitar é inerente à natureza humana desde a infância; e o que faz o homem diferir dos outros animais é que ele é mais inclinado a imitação: os primeiros conhecimentos que adquire, deve-os à imitação, e todo mundo aprecia as imitações. A prova disso é o que acontece com relação as obras artísticas, pois as mesmas coisas que vemos com pena, comprazemo-nos em contemplar na sua exata representação, tal, por exemplo, como a forma dos animais mais vis e a dos cadáveres. Isso deve-se ao fato de que aprender é o que existe de mais agradável não apenas para os filósofos mas também para os outros homens; só que estes tomam apenas uma pequena parte nesse prazer. E, com efeito, se nos apraz ver representações de objetos, é porque essa contemplação nos instrui e nos faz refletir sobre a natureza de cada coisa, como, por exemplo, que tal homem e um tal; tanto mais que, se porventura não se previu o que sobreviverá, não será a representação que produzirá o prazer experimentado, mas antes o artifício, ou a cor, ou qualquer outra consideração Como imitar, tal como a harmonia e o ritmo, está em nossa natureza (...); desde o principio, os homens que tinham mais pendor natural para essas coisas fizeram, através de lenta progressão, nascer a poesia, começando com improvisação.

À tragédia é a imitação de uma ação grave e completa que tem uma certa extensão, apresentada, numa linguagem tornada agradável e de maneira tal, que cada uma das partes que a compõem subsiste separadamente, desenvolvendo-se com personagens que agem e não por meio de uma narração, operando pela piedade e pelo terror a purgação das paixões da mesma natureza

Entendo por “linguagem tornada agradável” a que reúne o ritmo, a harmonia e o canto, e pelas palavras “que cada parte subsiste separadamente” entendo que algumas dentre elas são ordenadas somente através dos metros e outras, por sua vez, pela melodia.


A arte de não ser governado e as condições de possibilidade do surgimento da crítica de arte

Em o que é a crítica Michel Foucault coloca que: “Como governar, acredito que esta foi uma das questões fundamentais do que se passou no século XV ou no XVI. Questão fundamental a qual respondeu a multiplicação de todas as artes de governar - arte pedagógica, arte política, arte econômica, se vocês querem - e de todas as instituições de governo, no sentido amplo que tinha a palavra governo nessa época.

“No entanto, essa governamentalização, que me parece tão característica dessas sociedades do Ocidente europeu no século XVI, não pode estar dissociada, parece-me, da questão de "como não ser governado?". Eu não quero dizer com isso que, na governamentalização, seria opor numa sorte de face a face a afirmação contrária, "nós não queremos ser governados, e não queremos ser governados absolutamente". (...)

“Eu quero dizer [diz Michel Foucault] que, nessa grande inquietude em torno da maneira de governar e na pesquisa sobre as maneiras de governar, localiza-se uma questão perpétua que seria: "como não ser governado assim, por isso, em nome desses princípios, em vista de tais objetivos e por meio de tais procedimentos, não dessa forma, não para isso, não por eles"; (...)”

(...) [Foucault diz que “proporia então, como uma primeira definição da crítica, esta caracterização geral: a arte de não de tal forma governado.. (...)  Mas eu creio mesmo assim que ela permitiria marcar alguns pontos de ancoragem precisos do que eu tentei apelidar atitude crítica. Pontos de ancoragem históricos, é claro, e que se poderia fixar assim:”

1º. Num período em que o governo dos homens era essencialmente uma prática essencialmente religiosa ligada à autoridade de uma Igreja, ao magistério de uma Escritura, não querer ser governado desta forma, era essencialmente buscar na Escritura uma outra relação (...), não querer ser governado era uma certa maneira de negar, recusar, limitar (digam como quiserem) o magistério eclesiástico, era a volta à Escritura, era o que é autêntico na Escritura, do que foi efetivamente escrito na Escritura, (...) até o que se chega com a questão finalmente mais simples: a Escritura era verdadeira?

2º.. Não querer ser governado, está aí o segundo ponto de ancoragem, não querer ser governado assim, não é não mais querer aceitar essas leis porque elas são injustas, (...)

. E enfim, "não querer ser governado", é claro, não é aceitar como verdade, o que uma autoridade diz ser verdadeiro, ou ao menos não é aceitar isso. E desta vez, a crítica toma seu ponto de ancoragem no problema da certeza em face da autoridade.

“A Bíblia, o direito, a ciência; a escritura, a natureza, a relação a si; o magistério, a lei, a autoridade do dogmatismo. Vê-se como o jogo da governamentalização e da crítica, uma em relação a outra, deram lugar a fenômenos que são capitais na história da cultura ocidental, (...)”.


As condições de possibilidade do surgimento da crítica de arte

As poéticas (sublime e pitoresco) que surgem no Séc. XVIII se devem a convicção de que preceitos estabelecidos racionalmente deveriam, ao mesmo tempo, controlar e dirigir as tendências espontâneas do artista seguindo limites prescritos tanto da realidade externa (natureza/cultura) quanto interior (natureza humana)

Jean Starobinski diz que o público exigia verossimilhança nos quadros e desenhos. Os salões do Louvre oferecem ocasião para julgar, discutir. Vê-se nascer a critica de arte: uma livre apreciação do mérito das obras formuladas por amadores esclarecidos. Até então as academias haviam atribuído a si próprias o direito do juízo artístico (1737).

Denis Diderot transforma a critica num gênero literário. Para ele o critério da verdade era a experiência. Afinal a própria arte está no reino da experiência é por esta que o critico deve se orientar - deduzir no exame das obras aquilo que é seu fundamento comum (a natureza humana).

Nas artes visuais, a mímese é um dos termos que define a arte, juntamente com techné, inspiração, expressão, indicando o horizonte teórico, e enfim, destituindo a validade [da arte]) como conhecimento/ teoria. Para Aristóteles a obra de arte aperfeiçoa a ordem do cosmos, é natural para o home  imitar, representar ou se expressar por metáforas.

A mimese, a imitação se torna um principio inabalável na prática da pintura até muito recentemente. A imitação da natureza une dois conceitos cujo sentido se tornou ininteligível para nós, na medida em que a natureza é hoje, em grande parte, um produto da técnica e que o conceito de arte não pode mais ser compreendido senão por meio do estudo dos textos do passado (GROULIER, p. 9).

De acordo com Jean-François Groulier, o pensamento medieval introduz uma distinção capital que passa a basear a definição de arte, e portanto, da pintura – ou seja: natura naturans ( a obra de Deus) e natura naturata ( a segunda natureza produzida pelo homem a partir da imitação da natureza tal como ela aparece em suas formas visíveis); com a reafirmação do Neoplatonismo o artista se volta para a idéia do Belo, que nada mais é do que manifestação do esplendor do divino (GROULIER, p. 10). Um artista como Leonardo da Vinci embora explorasse a natureza por meio de métodos empíricos e matemáticos, entrevendo um mundo em “vias de secularização” mantendo as referências tríplices: o artista imita a obra de Deus, imita tal como aparece em suas formas visíveis e belas.

Jean-François Groulier diz que a “origem da incompreensão da imitação enquanto conceito estético decorre do fato que os modernos desde o Século XIX só guradaram deste princípio a idéia de uma lei mais ou menos tirânica, a de uma natura naturata” que devia copiar servilmente. “De fato, foi negado um privilégio ao artísta: a faculdade original de criar, uma vez que esta pertence exclusivamente a Deus” (GROULIER, p. 10).

Jean-François Groulier ainda diz que a apropriação de um poder transcendente por alguns artistas e teóricos os fazem recorrer a noções de expressão, de gênio, de obras.

No Século XVIII, não há criador superior ao poder criativo da natureza. Neste sentido, o homem objeto central do conhecimento a partir de então participa “das intenções permanentes da natureza” diz Starobinski. Goethe afirmava que o artista é o agente através do qual a natureza procura produzir suas obras primas. A arte é o meio pelo qual a fugaz beleza natural torna-se forma durável –  ou seja, se torna  natura naturata.

Jean Starobinski diz que neste período a arte é atividade sintetizante guiada pelo pensamento que tornava visível uma realidade abstraída de nossa percepção. Por isso, a obra de arte não deveria ser nem uma replica exata do sensível, nem uma invenção arbitraria. Não se preocupa com a idealidade do seu objeto representado pela preocupação com o ato criador e o poder de construir coisas belas. A verdadeira singularidade reside na consciência do artista. A liberdade do criador deve coincidir com a necessidade universal. A arte é o prolongamento humano de uma fecundidade cósmica, diz Starobinski. Ao gênio é atribuída a responsabilidade de acrescentar o mundo ao mundo habitual. Kant diz “O gênio é a disposição nata do temperamento  através do qual a natureza impõe uma regra a arte” (O artista criador de uma realidade sem precedentes vai reivindicar autonomia aos poucos). Na Alemanha se diz que se passa com facilidade do gênio ao demoníaco (A questão dizia respeito se o fato deste não respeitar regras conduzia sempre à liberdade??). Por isso o conceito de gênio proclamado no século XVIII convive com a colocação de regras. De qualquer modo, o final do século irá renascer o mito de Prometeu, com o que a nele de esforço heróico e de revolta contra as prerrogativas da divindade. O gênio transmite vida àquilo que toca.

Para Goulier, nesse sentido, “a positividade do conceito de imitação consiste em expor negativamente, por meio de múltiplas críticas e polêmicas, os pressupostos que o criaram. Quando Hegel, Fiedler ou atualmente Nelson Goodman, por exemplo, denunciam o caráter nocivo da imitação, eles o fazem em nome da verdade, mas recusando a autoridade da antiga metafísica”. O que significa que a mímese, enquanto princípio fundamental da criação artística, originário da filosofia antiga, é destituída pela própria disciplina que a criou: a filosofia (GROULIER, p. 11).





“O advento da estética e de uma história da arte baseada freqüentemente positivista reforçou a idéia segundo a qual a maioria dos conceitos, dos topoi das antigas teorias da arte” (...) “não passava, no fundo, de construções míticas”. (...) “O primeiro efeito dessa crítica foi o de dissociar radicalmente a arte, concebida como atividade autônoma do mito, transformando no Outro do movimento de emancipação da Modernidade. Um dos argumentos da condenação da tradição – que se tornaria um dos lugares-comuns das teorias modernas – consistiu em dizer que o principio de imitação aristotélico ou a Idéia platônica significaram onstáculos milenatres `averdadeira criatividade do artista. A tradição teria, por assim dizer, desviado e detido os atributos mais acarcaterísticos do criador” (GROULIER, p. 12).

Desde o Século XVIII, a rival da velha teoria da arte é a a estética que vem exercendo uma influência contínua sobre a criação, sobre as concepções artísticas e sobre as categorias de percepção e avaliação das obras. “O sublime, a subjetividade, a autonomia da arte, o sentido são palavras cujo conteúdo, modo de sobrevivência e eficácia dependem, de fato e de direito, do discurso filosófico, mesmo que de um a forma literária. A penetração dessas idéias foi tão intensa e tão difusa que ela se impôs progressivamente contra conceitos fundamentais e os topoi da tradição”. (...) A função da estética desde o Século XVIII, não é mais transmitir normas, topoi ou idéias suscetíveis de incentivar o trabalho do artista. “A estética começou por intervir na ordem do discurso, sem se interessar muito pela transformação do espaço pictórico, participando do movimento de emancipação da Modernidade. Não é um saber, nem uma ciência e sim um modo de rflexão e uma forma de legitimação. É por isso que ela é um acessório providencial para todos os empreendimentos da arte moderna” (GROULIER, p. 14).

O texto comentado acima de Jean-François Groulier confirma aspectos da caracterização da crítica como “a arte de não ser governado” a partir da crítica ou rejeição aos conceitos fundamentais, aos topoi – lugares comuns da tradição e as instituições que representavam sua autoridade.


Topoi: plural de topos _ lugares comuns. Topoi: pontos de vista empregáveis em diversas instâncias com validade geral. Características topoi são apresentadas como universais (para uma comunidade) tem códigos comuns ao enunciador e ao destinatário. São gerais, se aplicam a um grande número de situações, com base em Ducrot.

Referencias
GROULIER,  Jean-François.  Da imitação à expressão In.  A pintura. Vol. 5. Da imitação a expressão. Editora 35, 2004
STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: EdUNESP. 1994.
FOUCAULT, Michel. O que é a crítica?


sábado, 20 de agosto de 2011

The Thought Jambalaya Extravaganza: Artist - Mark Tansey

The Thought Jambalaya Extravaganza: Artist - Mark Tansey

Mark Tansey (born 1949 in San Jose, California) is an American postmodern painter best known for monochromatic works and his invented "color wheel" approach to painting. Other stylistic signatures include paintings incorporating hidden text, images and symbols.
(ver no link texto)

Mark Tansey: The Innocent Eye Test


Frans Francken II (1582-1642)/ A collector's cabinet with Abraham Ortelius and Justus Lipsius


Willem II Haecht_Kunstkammer of Cornelis van der Geest_1628, from wga.hu
http://baguettedefee.wordpress.com/tag/art-history/

Por Daumier, o quadro sobre os críticos amadores de arte (colecionadores? amantes?) o olhar cuidadoso, próximo, reverente (?) .

The Essence of Line - Collection Highlights

The Essence of Line - Collection Highlights
Uma coleção de mais de 900 trabalhos de artistas franceses, ”de Ingres a Degas”, posto na web pelo Baltimore Museum of Art.

The Amateurs (Visiteurs dans l'atelier d'un artiste; Atelier de peintre; The Connoisseurs) - Honoré Daumier, 1808-1879

Tarefa e significado da crítica

In. ARGAN, Giulio Carlo.  Arte e crítica de arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988 p. 127-130

"Na cultura moderna, a arte é objeto de estudo por parte de uma disciplina autônoma e espacializada: a crítica de arte, que opera segundo metodologias próprias. A crítica de arte tem como fim a interpretação e avaliação das obras artísticas e, ao longo do seu desenvolvimento, deu origem não só a terminologias apropriadas como a autêntica "linguagem especial", que "recorre com insólita freqüência a uma dada secção do léxico e, relativamente ao uso corrente, é rica em termos que derivam de diversas nomeclaturas técnicas e científicas" (De Mauro citado por Argan). As obras artísticas foram sempre objeto de juízos de valor e consideradas como componentes de um patrimônio cultural que exigia atenções particulares por parte da sociedade e dos seus órgãos representativos, interessados em conservá-las, e em transmití-las (mas também, não poucas vezes, em se desfazer delas, em destruí-las, em substituí-las). Desde a antiguidade, desenvolveu-se em torno da arte uma vasta literatura, de caráter diversificado: cronístico ou memorialístico, teórico e preceitual, histórico-biográfico, erudito e filológico, interpretativo ou de comentário. Todavia, foi a partir do Século XVIII e da época do Iluminismo que a literatura sobre a arte tomou a forma de disciplina crítica, desenvolvendo-se a diversos níveis: filosófico, literário, historiográfico, informativo, jornalístico, polêmico. O alto grau de especialização e o peso cultural cada vez maior da arte, na segunda metade do [Século XIX e do XX], demonstram que esta responde a uma necessidade objetiva e não pode ser considerada uma atividade secundária ou auxiliar relativamente à própria arte. é efetivamente impossível entender o sentido e o alcance dos fatos e dos movimentos artísticos contemporâneos sem ter em conta a literatura crítica que a eles se refere. De resto uma parte considerável desta literatura deve-se aos próprios artístas, que frequentemente sentiram a necessidade de acompanhar, justificar e sustentar a sua obra com declarações programáticas e intervenções polêmicas.
O fato de, na situação atual [1988] da cultura, a crítica ser necessária à produção e afirmação da arte, legitima a hipótese de uma espécie de caráter inacabado ou, pelo menos, de uma comunicabilidade não imediata da obra de arte: a crítica desemepenharia assim uma função mediadora, lançaraia uma ponte sobre o vazio que tem vindo criar entre os artistas e  o público, ou seja entre os produtores e os fruidores dos valores artísticos. E esta mediação seria, pois, tanto mais necessária quanto se pretendeque a arte seha acessível a toda a sociedade, uma grande parte da qual vê ainda fechado o acesso à fruição e ao consumo dos produtos da cultura, e, especialmente, da arte: a crítica forneceria assim uma interpretação "justa" ou até mesmo científica das obras de arte, a qual seria válida para todos, sem distinção de classes. Mas, se a função da crítica fosse principalmente explicativa e divulgadora não se explicaria a sua afirmação como ciência ou, noutros casos, como "gênero literário" (...)".


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Fronteiras entre a crítica e a história da arte


Fronteiras da crítica

A história e a crítica da arte e da arquitetura, apesar de suas finalidades distintas, possuem identidades, ao ponto de não considerarem “nenhuma distinção no plano teórico” entre elas[1]. Numa linha que vem de Benedetto Croce, Lionello Venturi, Giulio Carlo Argan, Manfredo Tafuri, até Marina Waisman, grande parte dos estudos sobre arte afirmam a unidade entre crítica e historia da arte: argumentando que “juízo artístico é juízo histórico”[2], como Argan.
Nesta linha de argumentação, para Manfredo Tafuri não se concebe:“isolar a crítica num limbo abstratamente dedicado à análise da atualidade - como se existisse um tempo “atual” que já não seja histórico”[3]
A história e a crítica coincidem no ponto de vista teórico, ao inserirem-se dentro do significado que o criticismo adquiriu desde Emanuel Kant[4]; apontando que os domínios da crítica e da história dizem menos respeito aos seus objetos, de que sobre a possibilidade de conhece-los, dentro dos limites da linguagem, mediante o discurso. No entanto, a relação entre história e a crítica não é isenta de conflitos, e redefine-se constantemente no processo histórico da arte. Coloca-se assim, a necessidade de explicitação da relação entre história e crítica no discurso e no campo da arte.
Postula-se neste trabalho que as diferenças de finalidade entre crítica e história se estabelecem no quadro de formações históricas distintas[5]; que as situam em condições disciplinares distintas. A história e a crítica interferem na vida da criação artística, mediante as capacidades de discriminação e de interpretação[6]; que abordam a “manifestação da possibilidade de ser e do significado” da obra[7]. Porém, enquanto a crítica desloca o objeto do contexto, ressaltando as noções de hierarquia e rarefação. A história por intermédio de categorias analíticas definidas, busca estabelecer relações entre o objeto recortado, significados e contextos[8].
A escrita na história cria modelos destinados a tornar objetos pensáveis[9], que parte de um lugar próprio que é seu método; como diz Lévi-Strauss “a história é um método ao qual não corresponde um objeto específico”[10]. Enquanto a crítica está ligada ao estado da arte, referida à experiência e às transformações inerentes do campo da arte. Isso torna procedente a imagem: “A crítica segue a arte, como a sombra ao corpo”[11].
A crítica relacionada aos movimentos modernos assenta-se num “empirismo despreconceituado”, segundo Tafuri[12]. Na verdade, aborda tendências artísticas cujo o amplo entendimento dependem de sua referência discursiva. Trabalha “mais com as intencionalidades do que com os resultados dos trabalhos artísticos”[13]. Esta ação concebe a operação da crítica não somente formuladora de juízos sobre as obras, mas como método de acabamento destas. Walter Benjamin aponta a gênese deste processo da crítica no romantismo[14]; nesta perspectiva, a crítica torna-se desdobramento e reflexão.
A crítica desconstrói e descontextualiza o objeto, destacando-o do “mundo ordinário”, tanto espacial e quanto temporal[15], convertendo-se em texto ou imagem. Esta lógica do recorte da crítica coloca sua incapacidade de controlar os efeitos de sua prática discursiva[16]. Assim, a crítica pode ser compreendida como uma prática instável e não unívoca; cujo recurso à instrumentos de análise heterogêneos em sua prática, abalam a permanência de uma identidade[17]. Além disso,“o criticismo vive de crises, só é pensável como crítica e superação dos seus próprios resultados”[18]
As reflexões sobre a arte e arquitetura devem aproximar-se da realidade prática em que se inserem, com o seu campo de poder. A contiguidade entre a crítica e o poder, coloca os limites do que se pode dizer de uma obra, como diz Roland Barthes: “um crítico não pode dizer qualquer coisa[19]. O crítico é condicionado pela “origem social e as propriedades socialmente constituídas” no campo da arte[20]. Mas,
“(...) o estado das relações de forças nessa luta depende da autonomia de que dispõe globalmente o campo; ou seja, do grau em que suas normas e suas sanções conseguem impor-se ao conjunto dos produtores de bens culturais”[21].
Em síntese, o reconhecimento da crítica de arte depende sempre das direções possíveis do campo da arte, e dos outros campos com os quais a arte se relaciona, e das condições colocadas à sua prática. A crítica tem que jogar sempre num terreno que não é propriamente o seu, mas num terreno que compartilha com outros. O estatuto científico que a história já aspirou, e é hoje questionado, não seria praticável pela crítica, embora buscasse contiguidade com o método científico, e mesmo constituir-se disciplina em vários períodos da história da arte moderna. A crítica de arte, como produtora de sentenças, não pode ser objetiva[22].


[1]ARGAN, Giulio C. (1988). Arte e Crítica de Arte . Lisboa. Editorial Estampa, p. 142
[2]Idem. Ibidem. p. 142
[3]TAFURI. op. cit., p. 214
[4]KANT. Emanuel (1993). Crítica da Faculdade de Juízo. Rio de Janeiro: Forense. (2 ed. 1793)
[5]Tratado na Parte I, cap. II da dissertação de mestrado de Clara Luiza Miranda na USP São Carlos, orientada por Carlos Martins. A crítica nas revistas de arquitetura nos anos 1950 (...).
[6]PONENTE, Nello. Prefácio In VENTURI, Lionello. História da Crítica de Arte. Lisboa: Presença, 1984, p. 15
[7]EINSEMAN. Peter. (1996). Estratégias del Signo. Giuseppe Terragni y la idea de un texto crítico. Arquitetura Viva. Madrid. n. 48, mai-jun. pp. 66-69
[8]Considera-se esta clivagem de operações para fins analíticos, não entendendo-as como uma distinção definitiva.
[9]CERTEAU. op. cit.
[10]LÉVI-STRAUSS, Claude. (1989). História e Dialética in O Pensamento Selvagem. Campinas: Papirus, pp. 273-298
[11]RUBIÓ, Javier. (1980). La Razon Ética. In DEXEUS, Victória C. El Descrédito de las Vanguardas. Barcelona: Hermann Blume,
[12]TAFURI, op. cit., p. 26
[13]ARGAN. Arte e Crítica de Arte, p. 129
[14] BENJAMIN, Walter. (1993). O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão, São Paulo: EDUSP: Iluminuras, (ed. original 1919), Cf. p.77 e 85
[15]WHITEMAN, John. (1983). Representation and Experience in Contemporary Architecture: Architecture in an Age of Criticism. in The Harvard Review. pp. 136-145
[16]Idem, Ibidem, p. 140.
[17]IRACE, Fúlvio. (1989). La critica architettonica: note per un dialogo. Op. Cit. Nápoles. n. 76, set., p. 11
[18]ARGAN, Projeto e Destino Apud. TAFURI, Manfredo. (1979). Teorias e História da Arquitetura. Lisboa: Presença; São Paulo: Martins Fontes, p. 29
[19]BARTHES, Roland. (1970). Crítica e Verdade, São Paulo: Perspectiva, p. 221
[20]BORDIEU, Pierre. (1996). As regras da arte, Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia das Letras, (trad. Maria Lúcia Machado) p. 243-44
[21]Idem. Ibidem. p. 246
[22] PASINI, Roberto, Roberto. Paradigma della critica d’arte. Op. Cit., Nápoles. n. 74, jan., 1989, p. 27

O trabalho do historiador e do crítico de arte


Ao se tratar de uma história da crítica, buscam-se relações com o percurso passado da arte e arquitetura. E aqui, este é tratado como uma “virtualidade aberta[1]; quer dizer, considera que a atividade artística ou da crítica coloca no presente, uma episteme - dimensão que articula uma diversidade de historicidades entre si, segundo Michel Foucault[2]; e que para Giulio Carlo Argan coloca ao nível da cultura vivida, sedimentações, canalizações, ligações conscientes e inconscientes entre fenômenos do passado e do presente. Este “conjunto de experiências estratificadas e difusas”, definem forças, que agem em determinado campo[3].
[1]ARGAN, Giulio C. (1993). A História da Arte, in A História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, p. 67
[2]FOUCAULT, op. cit. p. 216
[3]ARGAN. op. cit. p. 70

O confronto de diversas historicidades no processo da história da arte, ao mesmo tempo em que reafirma a singularidade dos acontecimentos, aponta a não linearidade do processo histórico. Constrói a idéia de uma história que “recusa a ideologia do progresso, que recusa a continuidade e a identificação com um período dado[1].
Uma característica da história, segundo Michel de Certeau, que é o “gesto de dividir”[2] passado e presente, é contestada pela história da arte. Mas, o discurso histórico se escreve a partir dos interesses do presente, com limites dos instrumentos e dos projetos do presente, como diz Marina Waisman[3]. A ausência do corte entre passado e presente, não prescinde de ligar as idéias aos lugares, facultado pelo discurso.
Na perspectiva abordada, a história não é um mero relato dos acontecimentos, mas produto de discursos que se solidarizam, reagrupam e dispersam, de acordo com suas potencialidades de auto-afirmação, sustentação e difusão; operando uma atualização, ou inversamente, uma exclusão dos estratos nos quais se inscrevem os acontecimentos.

[1]Marc Sagnol, 1983 Apud. SANTAELLA. (1990) Arte e História, In V ENCONTRO DE HISTÓRIA DH-PUCSP. São Paulo, maio, 1990, p. 10
[2]CERTEAU, Michel de.(1982). A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
[3]WAISMAN, Marina. (1990). El Interior de la História. Bogotá: Escala. p. 14


O trânsito de conceitos e temas no campo da arte e arquitetura ligam-se às relações entre o enunciável e o visível. O enunciado[1] e o objeto visível são duas formas que não tem a mesma formação[2]. O discurso faz incisões nas formas das coisas[3]; infiltrando seus enunciados nas lacunas formadas pelas condições do visível. Enunciado e objeto interagem e assimilam elementos entre si[4]. Mas esse movimento implica numa distância, na qual se mantém as especificidades de cada um. Essa propriedade do discurso exime o artista do estatuto de dar regras à arte, e desfaz ilusões da obra fazer-se por si. Pois,
"(...) a obra de arte é uma obra que nós fazemos para só depois sabermos mais completamente, como fizemos (...) com o tempo ela mostrará aquilo que no momento não mostra (...) Isto é para dizer que existe um olho na história"[5].
A história, como uma produção social de leituras cumulativas, apresenta a obra de arte como um modo de ver a vida social, sempre renovável de acordo com os instrumentos e as necessidades do presente. A história, segundo Flávio Motta, é “conseqüência da superposição dos sistemas de relação e os novos relacionamentos dos meios de produção”. Esta permite situar o trabalho artístico de modo não cristalizado, como trabalho criador, “que intensifica e aprofunda as relações entre os homens”[6].


[1]Enunciação é uma colocação da língua em funcionamento por um ato individual de utilização, enunciado é um objeto que individualiza um sujeito no seu campo de intervenção. Conceitos definidos partir dos textos de Foucault. op. cit.
[2]DELEUZE. Foucault, p. 71
[3]Idem. Ibidem. p. 75
[4]Idem. Ibidem, p. 75-6
[5]MOTTA, Flávio. (1973). Textos Informes, São Paulo: FAUUSP. p. 16
[6]Idem. Ibidem. p. 17-18