Mark Tansey Monte Sainte Victoire

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Descartes/ kant cogito por Deleuze

In Roberto Machado. Deleuze, a arte e a filosofia

O conceito cartesiano de eu ou cogito: “penso logo sou”.
Eu sou uma coisa pensante (Deleuze traduz) Duvido, penso, sou: duvidar, pensar e ser – estes elementos (interrelacionados) formam um conceito.
Conexão Deus e extensão. Este não pressupõe um anterior como o de Aristóteles: o homem é um animal racional. Em Descartes outros conceitos adquirem objetividade a partir do cogito.
Conceitos tem história, não foi criado do nada (....).
A originalidade do conceito kantiano em relação ao cartesiano. Não se diz como os cartesianos “eu sou uma coisa pensante”. Por que kant pode dizer isso? Poque introduz um novo componente no cogito, o tempo, como forma de interioridade, defende portanto que só no tempo a “minha” existência indeterminada é determinada.
O cogito cartesiano em termos: Eu penso é um ato, um princípio de determinação;Eu sou é algo a determinar.
Eu penso determina a existência indeterminada de eu sou. Kant nega esta relação e propõe um terceiro termo: é a forma sob a qual o indeterminado é determinável pela determinação: a forma do tempo. O que muda com a introdução do tempo no cogito?
A existência do Eu penso só é determinável no tempo, portanto um eu fenomenal, receptivo, mutante, porque o tempo é uma forma de intuição que é sensível e não intelectual. O “eu penso” em Kant é um apercepção
O tempo “só nos representa à consciência como nós aparecemos e não como somos em nós mesmos porque só nos intuímos como somos internamente afetados”. Assim o eu transcendental é distinto do eu fenomenal porque o tempo os distingue no interior o sujeito...
A pergunta é o que é o homem?
A idéia de finalidade (teleológica) cede lugar ao sistema de causas eficientes que vigora no mundo fenomenal. É clara a diferença entre o teórico (a ciência) e o prático (a moral). As leis do dever obrigam livremente enquanto as leis da natureza obrigam por necessidade (causal-mecânica). “ O céu estrelado acima de nós” e a “lei moral que em nós existe”. Mundo interior e mundo exterior, a priori e a posteriori – na terceira crítica se trata é um termo médio entre entendimento e razão.
Ai o homem é um objeto entre outros no mundo fenomenal (natureza) e sujeito moral, ele retorna a natureza sem dar-le sentido teleológico
O lugar da liberdade é o pensamento.
Na passagem do belo para o sublime passamos também da arte para natureza.
Mas ao fazê-lo colocamos a natureza sob o domínio da imaginação.
Com efeito o sublime só existe na natureza é o que é absolutamente grande ou aquilo em comparação com o que tudo mais é pequeno, e que deste modo “ultrapassa o padrão de medida dos sentidos”.
Diante do sublime o homem se dá conta que é um temor diante do seu próprio imaginário.

FALTA A BIBLIOGRAFIA 
 

3 críticas ao cartesianismo

Humberto Maturana define "emoções" como disposições corporais para um agir. Ele justifica tal definição apontando que, na vida cotidiana, o que distinguimos com a palavra "emoção" são condutas, distintos domínios de ações através dos quais nos movemos. ... o que distinguimos biologicamente ao distinguir distintas emoções, são distintas dinâmicas corporais (incluindo o sistema nervoso) que especificam em cada instante as ações como tipos de conduta, medo, agressão, ternura, indiferença... que um animal pode realizar neste instante. Dito de outro modo, é a emoção (domínio de ação) a partir do qual se realiza ou se recebe um fazer, o que dá a esse fazer o seu caráter como uma ação (agressão, carícia, fuga) ou outra. Por isso nós dizemos: se queres conhecer a emoção observa a ação, e se queres conhecer a ação observa a emoção.
... o que conotamos quando falamos de emoções são distintos domínios de ações possíveis nas pessoas e animais, e as distintas disposições corporais que os constituem e realizam. Por isso mesmo, afirmo que não há ação humana sem uma emoção que a funda enquanto tal e a faz possível como ato.

Na reflexão de Merleau-Ponty (filósofo francês, 1908-1961) encontramos um esforço de retorno à fonte originária de onde brota a própria interrogação filosófica. Essa fonte originária reside naquilo a que Merleau-Ponty denomina de fé perceptiva e que, antecedendo a própria reflexão, é, portanto, de natureza pré-reflexiva e pré-judicativa. A tradição filosófica, ao distanciar-se dessa origem, deu lugar a cristalizações dicotômicas (sensível/ inteligível, corpo/ alma, a priori/ a posteriori, sujeito/objecto...) que não nos permitem aceder à compreensão do permanente enraizamento da consciência no mundo. O retorno a este enraizamento, tentativa de radicalidade e aprofundamento, exige uma reabilitação do corpo e do sensível. Rejeitando, quer uma visão racionalista, quer uma visão empirista, o corpo de que este filósofo nos fala não é a máquina que um cogito desencarnado comandaria O corpo não é, também, o corpo-objecto que a ciência disseca, mas sim o corpo fenomenal. É este corpo que realiza a síntese perceptiva e intersensorial: essa espécie de sabedoria prévia à reflexão, que está incrustada no mundo e a ele nos permite aceder.
O supracitado afastamento do Cogito, pode ser entendido como uma espécie de contraposição ontológica e gnosiológica que este direciona à transcendência e exterioridade incognoscível da Natureza, abandonando-a à confusão da sua imediatidade corpórea, para transcendê-la, e deste alto, assombrá-la, isto é, idealizá-la. Deste modo, o Cogito desconsidera ou retira da Natureza a sua “carne” (leibhaft) para, num processo de mumificação, preenchê-la com idéias, reduzindo-a a um quadro que retrata, como num jogo entre sombra e luz, os vultos pincelados do Cogito, ou seja, reduzindo-a a uma representação, a uma casca desprovida de conteúdo significante, a uma condição ontológica tão precária que, como uma múmia sem corpo necessita do corpo alheio, ela necessita do intelecto para ser verdadeiramente, para existir não de uma forma confusa, mas clara e distintamente. A reflexão cartesiana se retira do mundo, fazendo de si mesma a unidade de consciência como fundamento do mundo, ela “arrebata-se e  Merleau Ponty.

A intuição é o método usado por Henri Bergson para apreender aquilo que faz a coisa ser o que ela é, em sua diferença a respeito de tudo aquilo que não é ela. A intuição já pressupõe a duração na medida em que a diferen­ça interna da coisa é diferença em relação a si mesma, pois ao diferen­ciar-se ela muda de natureza fazendo tensionar ou distender a própria duração. A intuição é o movimento por meio do qual saímos de nossa própria duração para afirmarmos ou reconhecermos imediatamente a existência de outras durações ou de diferenças de natureza.
Desse modo, é na duração que se dão as diferenças de natureza (alteração), melhor, ela é a multiplicidade das diferenças, enquanto que o espaço não é mais que o lugar e o conjunto das diferenças de grau (aumento e diminuição). A intuição é o movimento por meio do qual saímos de nossa própria duração para afirmarmos ou reconhecermos imediatamente a existência de outras durações ou de diferenças de natureza. Apenas por meio dela somos capazes de apresentar os verdadeiros problemas e de nos livrar da ilusão propiciada pelos mistos que se apresentam como diferenças de grau na nossa experiência primeira do mundo, isto é, na matéria e na extensão. A experiência sempre propicia um misto de espaço e duração; vimos, porém, que se trata em Bergson de ultrapassar a experiência vivida, restaurando as coisas em seu dado imediato. Para isso, é preciso dividir o misto, reencontrar a diferença da coisa, aquilo que a faz ser o que ela é. Vimos também que tal divisão do misto espaço e duração leva a duas direções das quais somente uma é pura, sendo o espaço a impureza que desnatura a duração.

Refências explícitas:

FERRY, Luc. Homo Aestheticus. A Invenção do Gosto na Era Democrática. São Paulo: Ática, 1994
HAAR, Michel. A obra de arte. Ensaio sobre a Ontologia das obras. Rio de Janeiro: Difel, 2000
GRACIANO, Miriam Monteiro de Castro. A teoria biológica de humberto maturana e sua repercussão filosófica. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre.  In. http://www.inf.ufsc.br/~mariani/autopoiese/tese/teseint.html
Carlos, Luisa. Visão em Merleau-ponty

Pensamento, método e alucinação

Intuição / razão
Ratio latim –significa contar , reunir, separar, calcular. Logos, grego, mesmo significado. Razão significa pensar e falar ordenadamente, com medida, proporção, clareza e de modo compreensível aos outros. Intuição compreensão global e instantânea da realidade, de um fato ou objeto, insight  ‑
Intuição sensível, psicológica, lembranças, sensações, sentimentos, desejos, refere-se aos estados do sujeito enquanto ser individual e corporal: objetos e sujeitos específicos. Intuição intelectual: dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, ao mesmo tempo. O todo é maior que as partes. Descartes, Penso, logo existo, não preciso demonstrar (Houaiss).
Na etimologia pensamento no dicionário Houaiss: rubrica filosofia atividade cognitiva, racional; conhecimento por conceitos: lat.tar. penso,as,ávi,átum,áre 'pensar, cogitar', no lat.cl. 'pesar, examinar, ponderar, considerar, meditar, ruminar, compensar, ressarcir; permutar, trocar, cambiar; satisfazer', v.freq. de pendère 'pesar, examinar, ponderar; estimar, prezar; ter de peso, pagar, dar em paga, expiar', do qual deriva por meio do rad. do supn. pensum; o lat.tar. pensáre parece ter sido um desaguadouro das acp. do lat. cogitáre 'pensar, meditar, ter um pensamento ou sentimento, formar uma idéia, conceber' e do lat. putáre 'calcular, examinar, apreciar, avaliar, estimar, prezar, julgar, crer'; cogitáre 'pensar' é cultismo, sua f. divg. vulgar é cuidar 'tratar de; pensar', o lat. putáre não veio para o port. a não ser algum der. seu como o adj. putativo; da convivência entre cogitáre e pensáre terá surgido a expansão semântica de pensáre para as acp. 'cuidar de, tratar de' comuns ao port. (sXIII), ao esp. (sXIV), cat. (sXIV) e fr. (sXII); a propósito do fr. panser 'cuidar de', deve-se ter em mente que até o sXVIII encontra-se um que outro registro da grafia penser (a grafia atual é o modo como os franceses estabeleceram a distinção entre as duas áreas semânticas de pensar); Nascentes, comentando a ampliação semântica de pensar para 'cuidar de, tratar de', admite que talvez tenha havido a infl. do v. cuidar, do lat. cogitáre; por sua vez, o TLF, ao comentar a mesma expansão semântica do v. penser 'exercer atividade mental' para 'cuidar de', admite a possibilidade da infl. de expr. como penser de 'tomar cuidado de, preocupar-se com' (...). E ainda, a palavra reflexão: etimologia: lat.tar. refléxìo,ónis, de refléxum, supn. de reflectère 'refletir', de flectère 'curvar, dobrar, vergar'; na acp. 'concentração do espírito sobre si próprio' (...).
Já sentimento: etimologia: sentir + -mento; AGC registra um lat.medv. sentimentum; JM vê infl. do fr. sentiment (1190 sob a f. sentement) 'faculdade de receber as impressões físicas, sensação, conhecimento, fato de saber qualquer coisa', (1279) 'todo fenômeno da vida afetiva, emoção', (1314) 'sentimento', (1381) 'opinião', (c1390) 'bom senso', refeito do fr.ant. sentement que sobreviveu até o sXVI (...) (Houaiss).

Essa idéia de pendência Giorgio Agamben explora. Agamben diz citando Sto Agostinho: O desejo que há na procura procede de quem busca e, de alguma maneira, permanece suspenso, até repousar na união com o objeto enfim encontrado. Esta sentença de Sto Agostinho caracteriza o processo de conhecimento. Mas que coisa está em suspenso no pensamento? pergunta Agamben que responde: é a voz, pois linguagem é e não é nossa voz. A defasagem (Agamben diz este abismo) entre linguagem e voz é que chamamos mundo .
Giorgo Agamben diz que na língua italiana a palavra pensamento tem por origem o significado de angústia, de ímpeto ansioso, que se encontra ainda na expressão familiar: stare in pensiero (estar atormentado). O verbo latino pendere, de onde deriva a palavra nas línguas romanas, significa estar suspenso. Agamben continua:
"Então, a fuga, a pendência da voz na linguagem deve ter fim. Podemos deixar de ter a linguagem, a voz, em suspensão. Se a voz jamais foi, se o pensamento é pensamento da voz, ele não tem mais nada a pensar. O pensamento cumprido não tem mais pensamento." (...)
"Do termo latino que, por séculos, designou o pensamento, cogitare, na nossa língua, restou apenas um traço na palavra tracotanza (Arrogância, prepotência, insolência, atrevimento, petulância, presunção). Ainda no século XIV, coto, cuitanza, queria dizer: pensamento. Através do provençal oltracuidansa, tracotanza provém do latino ultracogitare: exceder, passar o limite do pensamento, sobrepensar, spensare." O latim "cogere" dá nossos verbos cogitar e excogitar, que significam pensar, inventar, refletir, idear, imaginar, cogitar traz uma raiz de prepotência, presunção. Mesmo cogitar em sua etimologia (Houaiss) [lat. cogìto,as,ávi,átum,áre '] é "agitar no espírito, remoer no pensamento", pensar, meditar, projetar, preparar'; [divg. vulg. de cogitar; ver cuid-; f.hist. (sXIV) coydar, (sXIV )cudar, (sXIV) cujdar, (sXV) quidar]. Assim, por outro lado, a origem do verbo cuidar é proveniente também do verbo latino cogitāre, cujo significado básico era pensar, meditar.
Cogito ergo sum, me dou conta de mim quando penso, só quando penso? O problema do método para assegurar, direcionar, assegurar um bom fim ao processo, delinear conceitos. Estes, por sua vez, significam tanto a ação de conter como o ato de receber, a germinação, o fruto, o feto, o pensamento.
Conceito, no dicionário é definido como representação de idéias por meio de suas características gerais, é uma ordenação e um corte no conhecimento (fil.). No entanto:
"Conceito deriva do latim conceptum e significa tanto pensamento e idéia quanto fruto ou feto. Concipere engloba tanto o significado mais comum de gerar e conceber quanto as ações de reunir, conter, recolher, absorver, fecundar, exprimir ou apreender espiritualmente alguma coisa. Como no grego logos, no qual se radicarão por exemplo "leitura" (legere) e "legume", a atividade mental de conceber é metáfora da atividade agrícola de colher algo que é oferecido pelo mundo e apropriado pelo espírito ou pela nossa vida prática (Carlos Brandão). Essa origem etimológica não é apenas uma abordagem erudita mas aponta para a ligação entre a teoria e a praxis, entre a linguagem e o mundo, entre o conceito e a existência cotidiana, entre a atividade abstrata do pensamento e o nosso modo concreto de estar e se relacionar com o mundo. (Carlos Brandão)".
Por uma via totalmente antagônica, Prioste argumenta "a contenção do conceitual pode ser entendida como contenda ou o encerrar. O conceituado cerra a passagem de qualquer diversidade de sentido que se diferencie do centro de concepção da ação de conter. Então a recepção, como fundamento para que frutifique o motivo do pensar, se estabelece por um contender contra o que contém aquilo que não consolide o saber como um conhecer seguro, sólido e sóbrio. A cautela e precaução do conceituar, entretanto, terminam por transformar o pensamento em um acervo de certezas. " (Prioste). Já alienar (afastar) da ratio (cálculo, conta e registro) ou um metódico e seqüencial cogitar definem-se como delírio. Alucin(o)- é um elemento de composição derivante do grego alúo , estar fora de si, perplexo, vaguear, diz Prioste referindo-se ao poeta Manuel de Barros.
"Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina. No osso da fala dos loucos há lírios"
"Poema é o lugar onde a gente pode afirmar que o delírio é uma sensatez " .

A tradução desconcertante aludida por Anne Cauquelin (em Teorias da Arte) realizada pelos neoplatonicos, repetida pelo positivismo no início referenciou seus processos compositivos na poética (aristotélica), depois no positivismo, cientificismo buscava ordem, a teoria (seqüência de proposições), no entanto, não vaguear nem delirar. Referendar as perguntas de CAUQUELIN A arte não é incompatível com um tratamento científico? Não é melhor ignorar essas teorias?  Aonde foi parar a poesia agora (qual rumo? deriva?), agora que já não temos tantas certezas, talvez devêssemos nos perguntar?

A imaginação, a louca da casa 1

Recomeçamos com as mesmas questões levantadas por Anne Cauquelin sobre as teorias da arte: Tratam-se de teorias no sentido geralmente atribuído ao termo, ou seja, de teorias científicas? A arte não é incompatível com um tratamento científico? Não é melhor ignorar essas teorias?
Reiterando a Obsessão pela teoria da arte desde Platão retificada pelo neoplatônicos que conduzem a arte a via acesso ao reino das idéias.
"A arte abre a visão do todo. A beleza é chave da compreensão". Com a reafirmação do Neoplatonismo o artista se volta para a idéia do Belo, que nada mais é do que manifestação do esplendor do divino que o artista deveria reproduzir por meio da mímese (GROULIER).“De fato, foi negado um privilégio ao artísta: a faculdade original de criar, uma vez que esta pertence exclusivamente a Deus” (GROULIER, p. 10).
Ou seja, a imaginação era "regulada".
Com Flusser vimos que a imaginação é anterior à fala e à escrita. Por outro lado, o controle do imaginário teve sempre um caráter ideológico indissociável do duo poder/saber . Sendo que antes da proliferação midiática das imagens, a imaginação era sempre ‘a louca da casa'. Servem de base a este 'discurso' O argumento negativo ou cético que coloca em dúvida as percepções dos sentidos ou o conhecimento que podemos ter das coisas. Argumento epistemológico já apresentado por Platão, Montaigne, entre outros. Entretanto, ao ser apresentado por Descartes o argumento ganha uma nova dimensão, uma face 'nova' é colocada pelo filósofo: "a sua capacidade de questionar a existência do mundo exterior. (Azizi)"
No século XVI, a loucura possuía um estatuto diferente, em relação ao século XVII. Um exemplo, é a filosofia de Montaigne, onde o ser louco e o não ser louco não era tido como uma certeza.
Não havia a certeza sólida da loucura e da desrazão dos homens, todos poderiam ser e não se ao mesmo tempo, loucos e sensatos. Não existe cisão definitiva. “Entre todas as outras formas de ilusão, a loucura traça um dos caminhos da dúvida dos mais freqüentados pelo século XVI. Nunca se tem certeza de não estar sonhando, nunca existe uma certeza de não ser louco (Montaigne apud Azizi)”.
"Em Descartes, já no século XVII, essa cisão acontece. “A loucura implica a si própria”, e se exclui da razão. Loucura e razão se negam, pois, se sou louco, não penso e nem existo, e se penso, existo e não sou louco. A loucura não diz respeito à razão, (não mais) e se exclui do caminho da dúvida, que leva ao conhecimento. Mais uma vez, se duvido, não sou louco.
Se com Montaigne, fiar-se unicamente na razão como forma de descobrir a verdade era insensatez, com Descartes ocorre o oposto. É necessário guiar nossos conhecimentos unicamente através do crivo da razão, do pensamento, que determina quem eu sou e, em última instância, se sou realmente. Com Descartes, então, há uma reviravolta, há uma fronteira explícita onde os racionais e os desarrazoados não possuem contatos, são antagônicos e não fazem parte nem de um e nem de outro simultaneamente, estão fadados a distanciarem-se para nunca mais se encontrar.A condição de possibilidade de um discurso sobre a loucura, portanto, está dada, para na modernidade (metade do séc. XVIII até hoje, para Foucault), e também para a concepção de loucura como doença mental.(Azizi)"
No caminho da dúvida, Descartes, no interior de seu método, desabilitará a confiança nos sentidos como forma de se adquirir um conhecimento verdadeiro e sólido: “Tudo o que recebi, até presentemente, como mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos : ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou alguma vez (Azizi)”.
Descartes parte da dúvida chamada metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza. Descartes argumenta que tais idéias em geral são incertas e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos. Algumas, porém, se apresentam ao espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma maneira, independentes das experiências dos sentidos, e isto significa que residem na mente de todas as pessoas e são inatas.Descartes foi levado a verificar que "o costume e o exemplo nos persuadem mais do que um conhecimento certo". Método significa, etimologicamente, caminho. Seguir um método corresponde, pois, a caminhar em direção determinada, quer dizer, com a consciência do fim a que se quer chegar.
As preocupações de Descartes engendraram um método que, incluindo as vantagens da lógica, da geometria e da álgebra,evitasse, ao mesmo tempo, os seus inconvenientes. Formula, então, as famosas quatro regras fundamentais, que deverão desdobrar-se e multiplicar-se nas Regras para a direção do Engenho.
Primeira regra: evitar a prevenção e a precipitação,só aceitando como verdadeiras as coisas conhecidas de modo evidente como tais enão admitir no juízo senão o que se apresentasse clara e distintamente,excluindo qualquer dúvida.
Segunda: dividir cada dificuldade em tantas parcelas quanto seja possível e quantas sejam necessárias para resolvê-las.
Terceira:Conduzir em ordem os pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de conhecer, a fim de ascender, pouco a pouco, por degraus, até o conhecimento do smais compostos, supondo uma ordem mesmo entre aqueles que não precedem naturalmente uns aos outros.
Quarta: fazer sempre inventários tão completos e revisões tão gerais que se fique certo de nada ter omitido.
Aqui Descartes constitui o preceito metodológico básico – é que só se considere verdadeiro o que for evidente, ou seja, o que for intuível com clareza e precisão, e,conseqüentemente, adequado à pronta aplicação do preceito da evidência.

Na primeira regra, está enunciado o que, para Descartes, é o critério da verdade, a clareza e a distinção das idéias. Essa expressão é repetida ao longo de toda obra de Descartes, como uma das teses fundamentais de sua teoria do conhecimento. A razão cartesiana é a matemática que, no plano do pensamento, e sem sair do pensamento, extrai, ou deduz, as idéias umas das outras, com a certeza de que, sendo essas idéias claras e distintas e achando-se dispostas em ordem contínua e ininterrupta, devem necessariamente corresponder à ordem em que se acham dispostas as próprias coisas.ordem contínua e ininterrupta, devem necessariamente corresponder à ordem em que se acham dispostas as próprias coisas.

GROULIER,  Jean-François.  Da imitação à expressão In.  A pintura. Vol. 5. Da imitação a expressão. Editora 35, 2004
Diego AZIZI, Diego. O elogio do sofrimento. http://projetophronesis.wordpress.com/category/filosofia-moderna/montaigne-filosofia-moderna/

domingo, 18 de setembro de 2011

A identidade da arte, Aristóteles.

Anne Cauquelin diz que a teoria de Platão é ambiental pois se dissemina pelo viés da discussão do belo e não sobre a arte (p. 35 Cauquelin). Por sua vez essa discussão da arte e seu lugar não impôs regras ao trabalho artístico nem para sua compreensão, nem para seu julgamento nem sua percepção.
Contudo são as regras, os limites, os processo específicos, isto é, os instrumentos e operações próprios a esta atividade que conferem à arte a especificidade e fundam sua identidade.
Anne Cauquelin aponta Um instrumento para autonomia: "a taxonomia". Em oposição ao caos dionisíaco e a hierarquia por dicotomia é recortar com convicção um objeto que será marcado por traços característicos: Gêneros e espécies. (p. 57-59)

A arte é uma disposição de produzir (poiésis) acompanhada de regras. Produzir é trazer a existência uma das coisas que são suscetíveis de ser ou de não ser e cujo princípio de existência reside no artista.

Na verdade, Aistóteles propõe Categoria, do grego: Κατηγοριαι, kategoría (acusação, atributo), pelo latim categoria.
"Conceitos gerais que exprimem as diversas relações que podemos estabelecer entre idéias ou fatos. Originalmente significa acusação, no sentido de atribuir um predicado a algo ou alguém. Aristóteles, o primeiro a usar o termo em sentido técnico, assim chamava “categoria do ser” aos predicados gerais atribuídos ao mesmo, correspondendo, então, as distintas classes do ser, distintas classes de predicados. A teoria das categorias, ou praedicamenta, iniciada por Aristóteles, prossegue - sofrendo constantes intervenções, acréscimos, depuramentos - pela filosofia grega e medieval até nossos dias."
Categorizar é classificar(então, é uma taxonomia sim)."É tratar objetos distinguíveis como equivalentes. Categorizar constitui uma das atitudes da mente na produção de sentidos em linguagem, o que se dá de modo constante na comunicação/expressão. A categorização é parte do processo do pensamento e seu funcionamento.Categorizar é portanto, o que de mais básico e essencial se produz na organização e expressão do pensamento, está fundado na base da atitude humana de cognição/expressão." (Grenfeld. 2006).
A problemática da ordem é drástica sobre tudo para a arquitetura, afinal "Ordem e mímese organizam o projeto clássico, o discernem dos demais modos de fazer arquitetura". Ordem coloca o problema da conexão entre formas e a mímese a representação. O problema da ordem é sintático, definir elementos, de estabelecer leis de organização da composição "TZONIS, & LEFRAIVE, 1986).


CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
GRENFELD, Adrete. In Letras por Dentro III, 2006, pp .11-2
TZONIS, & LEFRAIVE. Projeto Clásico de la Arquitectura. Hermann Blumme. 1986

"A origem do teórico para a arte"

Anne Cauquelin com o subtítulo “Platão e a origem do teórico para a arte” converge com a dicotomia deleuziana Niezsche e Platão.Fredrich Niezsche em a “Origem da Tragédia” e o “Crepúsculo dos ídolos” em que assinala as grandes etapas da filosofia:Platão, a filosofia cristã, Kant, o positivismo.Niezsche é um platonismo invertido (p. 34 Roberto Machado. Deleuze e a Arte).
Anne Cauquelin diz a moral e a dialética serão as substitutas da dupla Dionísio- Apolo.
A oscilação da arte em direção de uma ordem que ignora sua expressão para se estabelecer no discurso, no logos...
Passagem da theoria dionisiaca ao segundo sentido do termo: uma série de proposições encadeadas.
O duplo discurso -  a separação de arte da idéia de arte. O fazer (o techné) muito longe de poder realizar o belo (p. 29 Cauquelin). As atividades produtivas comprometidas com determinações concretas: utilidade, sucesso, desempenho; virtuosismo - aprovação/ desaprovação do público.
Como se sabe Platão divide o mundo: (de acordo em parte com Parmênides): o mundo sensível, da aparência / devir dos contrários; do mundo inteligível da identidade / da permanência de verdade- conhecido pelo intelecto puro sem interferência dos sentidos e das opiniões. O mundo sensível contém o conhecimento sensorial: particular, variável e mutável corresponde a doxa ou opinião. O conhecimento lógico e intelectual: universal, exato, absoluto corresponde a ciência ou episteme.
Dialética, diálogo, era o procedimento de fazer o discípulo recordar as idéias eternas, pela maiêutica, por si mesmo. A reminiscência no platonismo é “lembrança de uma verdade que, contemplada pela alma no período de desencarnação (o entremeio que separa suas existências materiais), ao tornar à consciência se evidencia como o fundamento de todo o conhecimento humano” (HOUAISS).

Platão condenava a escrita, pois segundo ele, esta só aumentaria o esquecimento dos homens, porque eles passariam a confiar em “signos exteriores e estrangeiros” diz Jeanne Marie Gagnebin. A única memória verdadeira seria aquela interior à alma, anamnese, a “reminiscência da essência” suscitada na arte dialética, que não teria existência física.
A teoria de Platão é ambiental pois se dissemina pelo viés da discussão do belo e não sobre a arte (p. 35 Cauquelin).
Para completar Anne Cauquelin, ainda,  em seu livro "Teorias da Arte", na parte sobre Platão, em: "Tradição desconcertante" disserta sobre o duplo discurso que separa a prática da arte da visão do belo pela passagem dos degraus do conhecimento até intuição do Um é reconstruído na interpretação dos neoplatônicos. A idéia de bem, belo passa a ter a arte como sua manifestação sobre a terra.O acesso ao reino das idéias passa pela via da arte.A arte é o meio mais direto de se unir ao Um, ao princípio de todas as coisas. A arte abre a visão do todo. A beleza é chave da compreensão."

Referências:
BITTENCOURT, Renato Nunes. O sentido da agonística para a vida ou a disputa de Nietzsche. Morpheus. Revista Eletrônica em Ciências Humanas - Conhecimento e Sociedade. In http://www.unirio.br/morpheusonline/renato%20nunes.htm
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DELEUZE, Gilles. Platão, os gregos. In Crítica e Clínica. Tradução de Peter P. Pelbart S. Paulo: Editora 34, 1997.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete Aulas Sobre Linguagem Memoria e Historia.Imago, 1997
MACHADO, Roberto. Deleuze, arte e a filosofia. Rio de Janeiro, 2010





Agonística: Platão, Niezsche e Deleuze

Gilles Deleuze em "Platão, os gregos" diz que a proposta do platonismo aparece como doutrina seletiva, seleção dos pretendentes, dos rivais.
De certo modo ele próprio também seleciona com quem dialoga: Niezsche aparece entre os primeiros.
Deleuze diz: "A Idéia é por Platão como o que possui uma qualidade primeiro (necessária e universalmente); ela deverá permitir, graça à provas, a determinar o que possui uma qualidade em segundo, terceiro, segundo a natureza da participação.  (...) a sofística como seu inimigo, mas também como seu limite e seu duplo: porque ele pretende a tudo ou a não importa o que, o sofista arrisca fortemente a embaralhar a seleção, a perverter o julgamento. Estes são preenchidos, povoados por sociedades de amigos, isto é, de livres rivais, cujas pretensões entram cada vez mais em um agôn emulante e se exercem nos domínios mais diversos: amor, atletismo, política, magistraturas. Um tal regime acarreta evidentemente uma importância determinante da opinião. Vemos isso particularmente no caso de Atenas e de sua democracia: autoctonia, philia, doxa são os três traços fundamentais, e as condições sob as quais nasce e se desenvolver a filosofia.
A agonística, que teria alcançado na Grécia Antiga um patamar insuperável, se imortalizando através das narrativas épicas de Homero, da poesia cosmogônica de Hesíodo e da filosofia de Heráclito de Éfeso.
De modo que, a partir da influência que adquiriu através do estudo das obras desses três grandes gênios da cultura grega, Nietzsche desenvolverá a sua própria perspectiva de disputa, espírito de competição e rivalidade."
A agonística, que teria alcançado na Grécia Antiga um patamar insuperável, se imortalizando através das narrativas épicas de Homero, da poesia cosmogônica de Hesíodo e da filosofia de Heráclito de Éfeso.
De modo que, a partir da influência que adquiriu através do estudo das obras desses três grandes gênios da cultura grega, Nietzsche desenvolverá a sua própria perspectiva de disputa, espírito de competição e rivalidade.

Nietzsche é fascinado com a questão da agonística grega: "Heráclito considerava que a essência do universo seria constituída por um constante conflito de forças, e que as transformações da realidade, inseridas no grande devir cósmico, decorreriam necessariamente dessa característica primordial, intrinsecamente presente em todo o universo, conforme comprova sua célebre sentença", de que “o combate ( polémos ) é de todas as coisas pai, de todas rei, e a uns revelou deuses, a outros, homens; de uns fez escravos, de outros, homens livres.”)
Nietzsche, fascinado com a questão da agonística grega, interpreta o sentido da disputa em Heráclito de um modo muito perspicaz: detecta a transformação do espírito da luta, presente no plano das ações cotidianas, para a dimensão universal, tornando-se assim um princípio cosmogônico.
As disputas entre os homens nos seus diversos ramos de atividades seriam o reflexo mais fulgurante desse conflito cósmico primordial, que possibilita a transformação contínua de todas as coisas através do devir.
E essa nobre força se desenvolve através da superação dos limites, motivada pela afirmação de uma agonística saudável, que preconiza o respeito ao oponente, aquele que possibilita a nossa própria afirmação, uma vez que, com o rival, instauramos uma nobre relação de forças. Desse modo, tal situação Homero, Hesíodo e Heráclito souberam representar, afirmando através de suas obras a beleza de um mundo povoado por homens de valor e regido por uma justiça cósmica que promove a harmonia através da interação entre os contrários.Em suma, os três gênios da agonística grega encontraram no helenista Nietzsche a voz moderna do sentimento de disputa, que o filósofo alemão soube expressar e honrar de modo tão grandioso em seus escritos.

BITTENCOURT, Renato Nunes. O sentido da agonística para a vida ou a disputa de Nietzsche. Morpheus. Revista Eletrônica em Ciências Humanas - Conhecimento e Sociedade. In http://www.unirio.br/morpheusonline/renato%20nunes.htm
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DELEUZE, Gilles. Platão, os gregos. In Crítica e Clínica. Tradução de Peter P. Pelbart S. Paulo: Editora 34, 1997.
MACHADO, Roberto. Deleuze, arte e a filosofia. Rio de Janeiro, 2010

A ideografia dinâmica / o mundo dos signos e da cognição

Em continuidade a discussão provocada por Vilém Flusser no seu “Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente”, outro texto "A ideografia dinâmica, rumo a uma imaginação artificial?" de Pierre Levy, oferece pistas para apronfundar o tal quadro da nova consciência pós-conceitual ("pós histórica"). Flusser diz que "o propósito é servir a nova imaginação na sua tarefa de dar significado ao mundo." E continua:
“Tal nova antropologia terá sem dúvida conseqüências profundas, em sua maioria, imprevisíveis. Apenas um único exemplo: a ciência (...) deixará de ser disciplina que explica e passará a ser disciplina que confere significado. O que a transforma em disciplina artística, já que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procura conferir significado. Ora, ciência enquanto uma entre as artes obrigará repensarmos os conceitos de “verdade” e “conhecimento”.”
O livro de Pierre Levy, entre outras coisas, explora "o mundo dos signos e da cognição", ambicionando, talvez projetar "novas luzes sobre antigos problemas filosóficos acerca da linguagem e do pensamento". Pierre Levy diz que "ideografia dinâmica é um objeto puramente imaginário".
A introdução é uma proposição: "por um pensamento-imagem". Levy aponta o computador como "suporte possível de escritas dinâmicas". Disserta da relação entre escrita e suporte estático, poderíamos remeter as primeiras imagens também. Já a televisão e o cinema trazem ao mesmo tempo movimento e imagem: "são linguagens nem tanto lineares e estáticas mas intrinsecamente bidimensionais e animadas. Mas não são interativas e, sobretudo, não permitem a passagem à abstração nem o trabalho de conceitos". Diz Levy, há quem possa discordar, claro, com esta ultima sentença. No entanto, o que diz a seguir, importa. A tela do computador suporta ao mesmo tempo imagem animada, a interação e, a abstração. A informática contemporânea autoriza a concepção de uma "escrita dinêmica, cujos símbolos serão portadores de memória e capacidade de reação autônomas. Os caracteres dessa escrita não significarão apenas por sua forma ou disposição, mas também por seus movimentos e metamorfoses. Trata-se de algo bem diferente do hipertexto ou da multimidia interativa, que se satisafazem em mobilizar e dispor em rede os antigos modos de representação que são o lafabeto e a imagem gravada."
Levy diz que em ideografia dinâmica propõe uma linguagem "intrinsecamente ligada as capacidades de memória e interação (...)".

Referência
"A ideografia dinâmica, rumo a uma imaginação artificial?" de Pierre Levy, Edições Loyola.

domingo, 11 de setembro de 2011

Sobre a Farmácia de Platão de Derrida

Trechos de Edson Rosa da Silva (UFRJ ) Sobre Derrida &Platão
Famácia de Platão. Derrida. Iluminuras

 "[... ] A maior preocupação será não escrever, mas aprender de cor, pois é impossível que os escritos não acabem por cair no domínio público. Por isso, para a posteridade, eu mesmo não escrevi sobre tais questões. Não há obra de Platão e jamais  haverá uma. O que atualmente se designa sob esse nome de Sócrates, no tempo de sua be1a juventude. Adeus e obedece-me. Tão logo tenhas lido esta carta, queima-a." Platão

" (...) a escrita, enquanto transcrição gráfica da palavra do pai, é vista por Platão como secundária e inferior, como filha bastarda. O logos é o saber vivo; o livro -conjunto de saberes acumulados e guardados pela palavra escrita -é um simulacro de saber. Por isso, diz Tamus que os discípulos de Theuth «parecerão ter muita ciência, enquanto que, na maioria dos casos, não terão nenhuma», já que terão aprendido de cor «as histórias acumuladas, as nomenclaturas, as receitas e as fórmulas». Ou seja: terão lido o saber escrito; não terão ouvido a palavra do mestre, porta-voz da verdade e da ciência, a única forma, pelo que se depreende do discurso de Tamus, de se transmitir um saber vivo e verdadeiro. Por isso, a ciência de quem lê é um simulacro; só quem se locupleta do verbo divino é realmente sábio. "

Quando Platão teme que o texto escrito caia no domínio público, teme que os significantes escapem ao pai e que o recontar dos contos contem uma outra história. (...) . Daí, a proteção divina do verbo do Pai. O centramento. O sacrário. A redução de tudo a um ponto: a uma origem. Assim é possível preservar a origem e a verdade. .Com efeito, tal verdade e tal origem não podem ser preservadas. O phármakon -na sua dupla potencialidade -as destrói, e permite-nos escrever uma outra história.
"O advento da escritura é o advento do jogo; o jogo hoje entrega-se a si mesmo, apagando o limite a partir do qual acreditou-se poder regular a circulação dos signos, arrastando com ele todos os significados seguros, reduzindo todas as áreas de segurança, todos os abrigos de quem não podia jogar, tudo o que vigiava o campo da linguagem."

Não há remédio inofensivo. O phármakon não pode jamais ser simplesmente benéfico. (...) A essência ou a virtude benéfica de um phármakon não o impede de ser doloroso. (...) Esta dolorosa fruição, ligada tanto à doença quanto ao apaziguamento, é um phármakon em si. Ela participa ao mesmo tempo do bem e do mal, do agradável e do desagradável. Ou, antes, é no seu elemento que se desenham essas oposições. (DERRIDA, 1987, p. 56-7).
 "Eles [os túpoi, as marcas] o representarão, mesmo que ele os esqueça, eles levarão sua fala, mesmo que ele não esteja mais lá para animá-los. Mesmo que esteja morto, e só um phármakon pode deter um tal poder sobre a morte, sem dúvida, mas também em conluio com ela. O phármakon e a escritura são, pois, sempre questão de vida ou de morte. (DERRIDA, 1987, p. 52)."
«Sócrates, aquele que não escreve». No Fédon, o phármak'on aparece como o filtro do conhecimento, antídoto, dialética.
"É esse phármakon invertido, agora dialético, que vai penetrar na alma daqueles que ouvem Sócrates, sob a forma de belos discursos, caminho para a sabedoria. O logos socrático, enquanto manteia (pharmakeus), palavra divinatória, transformadora, fundamenta em filosofia, pisteme, uma prática empírica. Tal atitude já havia sido prenunciada no início do Fedro, quando Sócrates denuncia a insuficiência do conhecimento em favor do preceito délfico «conhece-te a ti mesmo""

sábado, 10 de setembro de 2011

O DIAGRAMA DA LINHA.

DIAGRAMA DA LINHA. A partir de Cláudio Ulpiano

ULPIANO. Claudio. A Estética Deleuziana.  Oficina Três Rios (SP). (transcrição das fitas: Mara Selaibe), 1993


O Platão quer constituir um sistema de saber. O Platão vai e constrói o que se chama o diagrama da linha. O que é exatamente isso? É o Platão fazendo uma distinção entre o que vai se chamar, mais tarde, mundo sensível e mundo inteligívelObjetos em cima da linha. Em cima da linha vão aparecer os objetos matemáticos e o que ele vai chamar de essências - que é uma palavra um pouco complicada na filosofia. Ele, então, chega à conclusão de que sobre os objetos matemáticos e sobre as essências, ele pode constituir um saber porque eles são estáveis, têm estabilidade, não se modificam, são sempre a mesma coisa. Por exemplo, 2+2=4, sempre.
Resende, UFRG


Quando uma coisa torna-se submissa à outra e se submete ao modelo da outra, esta que se submete torna-se cópia. Então, para Platão, todos os objetos que estão em baixo da linha e que se submetem aos que estão acima da linha tornan-se cópias. Assim, no mundo sensível, neste mundo em que nós vivemos, existem cópias.

A eikones é o mundo das imagens: reflexos, sombras, imagens.

As cópias são muito bem consideradas por Platão porque elas se submetem aos objetos que estão acima da linha e o saber pode se constituir sobre as cópias porque o saber se dá sobre os objetos acima da linha e compreende os abaixo da linha - são os objetos limitados. Mas, os simulacros, que não se submetem a nada que está acima da linha, eles são ilimitados, infinitos, eles nunca acabam nem começam. Nenhum saber, segundo Platão, poderia se constituir sobre eles.Então, nós teríamos esse confronto entre as cópias de um lado e os simulacros de outro. Outra dualidade platônica. A questão platônica é de não deixar vigorar os simulacros, é afastar os simulacros da cidade, afastar os simulacros dos homens, botar os homens ligados às cópias, constituir uma sociedade organizada através das cópias com a expulsão desses simulacros.

A arte vai se chamar Arte Figurativa no momento em que ela reproduz essa forma que eu acabei de colocar para vocês - ela é uma arte representativa que seria a eikones submetida aos objetos superiores. Assim, teria uma arte da representação ou figurativa (modelo/cópia) sempre que um objeto estivesse representando um outro objeto.A partir de 1910, começou um movimento no Ocidente que se chama Arte Abstrata; logo em seguida começou a aparecer a Arte Informal. Mas, sobretudo a arte abstrata seria uma arte que visaria romper com o figurativo. Aparentemente - depois se verá que não é - seria uma arte contra o platonismo porque seria uma arte que ao invés de ser cópia de um modelo, seria uma arte que pretenderia não copiar mais modelo algum. Assim, aparentemente, a partir de 1905, 1910 surgiria, com Mondrian, Kandinsky uma arte que começaria a romper com o figurativo nascendo essa arte abstrata que não teria a preocupação de representar objetos.A arte figurativa - que eu coloquei como sendo o modelo platônico - é uma arte de representação ilustrativa e narrativa. Em seguida o nascimento da arte abstrata. Mas nem a primeira nem a segunda fariam parte da estética deleuziana.A estética deleuziana é, exatamente, a estética do simulacro e, então, é uma arte nem figurativa nem abstrata. Deleuze, utilizando uma terminologia de um outro pensador francês, vai chamar essa arte de Arte Figural. Um pintor coloca na tela os objetos percebidos pela visão. Então, aparentemente, nas artes plásticas há uma dominação do olhar. Mas, vamos dizer que a preocupação de um pintor seria recolocar na tela, através da percepção, os objetos com os quais ele entra em contato no mundo. Daí, a pintura, classicamente, seria a transposição de objetos da percepção para a tela.

Contemplação- Neste sentido o espaço visual, acima de tudo, uma construção de bom senso, resultado de uma percepção uni-sensorial baseada na interação mente-olho. Cf. Martin Grossmann

A percepção visual nos ofereceria possibilidade de nós entrarmos em contato com determinados objetos. E, nós vamos ver o Deleuze e ele introduz um nome novo na teoria da sensibilidade: percepto. Percepção haveria o percepto. Com a percepção nós vemos o que? Nós vemos as coisas, as imagens, não é isso? É isso que a percepção nos dá. Sempre que nós queremos perceber uma coisa visual, com os olhos eu vou e percebo os objetos no mundo. O percepto, não; o percepto não percebe coisas. O percepto entraria em contato com sensações. E nós dizemos: mas o que será isso? O pintor ao invés de se preocupar em repor na sua tela aquilo que a percepção apreende, vai nascer essa figura chamada percepto que tem o objetivo de apreender as sensações que nós nem mesmo sabemos do que se trata. Há uma frase atribuída a Paul Klee, contra Platão, contra a representação, contra a arte figurativa. Porque tanto Paul Klee quanto Cézanne dizem mais ou menos isso: Pintar não é representar o visível (representar o visivel quem faz é a percepção); pintar é tornar visível o invisível.


Cézanne: (parênteses na fala de Ulpiano)

"Eu sou a consciência da paisagem que se pensa em mim".

“A paisagem reflete-se, humaniza-se, pensa-se em mim. Eu a objetivizo, projeto-a, fixo-a na minha tela. Sinto-me ser a consciência subjetiva desta paisagem e a minha tela como se fosse a sua consciência objetiva”. A paisagem que surge está iluminada pelas vicissitudes de um olhar temporalizado, pessoalizado que conceitualmente a recria: “Durante muito tempo fiquei sem conseguir, sem saber pintar o monte de Sainte Victoire, porque eu imaginava a sombra côncava (…), quando, repare, ela afinal é convexa, foge do seu centro. (…). Para que se possa pintar uma paisagem é preciso conhecer os seus apoios geológicos”.

Cézane, eu quis copiar a natureza, mas não consegui.

“Pintar segundo a natureza (…) não significa copiar a natureza” ou, mais extremadamente ainda “Antes de mais um quadro não representa nada”

“ Se ele [o artista] intervém, se ele, pequeno como é, ousa misturar-se voluntariamente ao que tem de traduzir, a sua pequenez aí se infiltrará”.

“Tudo na natureza se modela segundo a esfera, o cone e o cilindro. É preciso aprender a pintar sobre estas figuras simples”, matéria teórica, princípio de invenção: “Eu procuro a luz, o cilindro e a esfera, desejo criar com a cor, o negro e o branco (…) Não tenho doutrina (…) mas preciso da teoria, da sensação e da teoria”.

A matéria plástica de modo algum é o visível. A matéria plástica é o invisível, o que ele chama de sensações. Então, nós temos agora um confronto de um lado entre o percepto e a percepção e, de outro lado, entre a matéria do percepto, que é a sensação invisível, e a matéria da percepção, que são os objetos que nós estamos acostumados a entrar em contato. Agora, o que seria, exatamente, essa sensação? O que seria esse invisível?

O que o Deleuze e o Guattari chamam de sensações, o que eles chamam de percepto - que não são objetos apreendidos pela percepção - e que seria a matéria da arte figural, são as forças. Trata-se de pintar as forças. Mas o que é isso? Que forças são essas?[i]
Em Cézanne: as forças que dobram as montanhas. Se nós formos para a teoria da relatividade: as forças que dobram o espaço, as forças que transformam os corpos, as forças que atravessam a Natureza. Inicialmente é difícil falar dessas forças. Vamos dizer que essas forças sejam o próprio tempo. O pintor ao invés de estar preocupado em reproduzir as formas das coisas, ele estaria preocupado - no caso o Cézanne; o Paul Klee, de alguma maneira; o Bacon, sem dúvida alguma - em pintar os afectos do tempo, as forças do tempo.

Agora, nós, de repente, nós que estávamos acostumados a trabalhar com florestas, rios, barcos, submarinos, nós começamos a ter, como matéria de pensamento, o vazio do tempo. Ou seja, a experiência do artista não é cair na matéria que os homens banais, comuns caem diariamente; é afundar no vazio do tempo e tirar desse vazio do tempo... (pode chamar esse vazio do tempo por um nome mais moderno, mais utilizado agora: caos) - é mergulhar no caos e arrancar desse caos os afectos com os quais este mundo é constituído.

Então, o artista é quase que um pecador porque ele se mistura com Deus e quer, da mesma forma que Deus, criar novos mundos. E se não houvessem esses artistas criando novos mundos, Deus, que só fez um, nos obrigaria a viver nesse já insuportável (há séculos insuportável) e, se não fossem os artistas nós não teríamos o nascimento de sempre novos mundos. Quando nós pegamos um artista, por exemplo, Cézanne, Paul Klee, Francis Bacon, nós sabemos que cada artista desses tráz com ele uma quantidade de mundos que, se ele puder, ele vai passar para nós. E, exatamente, essa potência da arte não invade uma matéria pronta; ela invade o vazio do tempo, o vazio do caos e extrai disso potência de novos objetos. Então, a arte figural é uma arte preocupada com os afectos do tempo. E para a questão do Bacon... vejam... Bacon: afectos do tempo. Vamos ver outro. Talvez o Cézanne... talvez eu esteja exagerando, eu não sei. O Cézanne tinha uma preocupação - ele era um pintor barroco; talvez seja um pintor barroco - com as dobras, as dobras da matéria; pegar as dobras da matéria e passar para sua tela; não as formas, mas as dobras. O Bacon talvez seja um egípcio. A preocupação dele é com os espasmos do tempo. A preocupação dele é pintar forças, pintar espasmos. Imaginem! Pintar espasmos. Coisa linda!

Mas é fácil vocês entenderem na hora em que eu falar de um pintor mais afortunado - muito desafortunado na sua vida, mas muito afortunado aqui no fim do século - que é o Van Gogh. O Van Gogh também era um figural e também a preocupação dele era pintar forças, não formas. Então, ele se tornou um especialista de girassóis, mas a questão dele não são as formas dos girassóis; a questão dele são as germinações, as forças germinativas que produzem os (palavra inaudível).

Então, o Van Gogh penetra nas germinações, o Francis Bacon nos espasmos, o Cézanne nas dobras. Assim, nós começaríamos a sair da arte figurativa, da arte representativa, para entrar na arte das forças, na arte dos afectos. Forças e afectos. Ou seja, o pintor, o artista fazendo a mais espantosa das experiências: a experiência do uso do pensamento.

Eu vou explicar pensamento para vocês porque o conceito de pensamento é inteiramente confuso. Mas, então, é o pensamento fazendo suas experiências. O pensamento não é a mesma coisa que a inteligência.

A questão do Proust era escrever sobre sensações, a questão do Proust era o tempo, a mesma coisa que esses outros pintores. Agora, essas sensações não me aparecem; elas surgem para mim, mas eu convivo realmente com o que eu chamo de experiências vividas. As sensações são como pequenas almas.

Exatamente, eu posso chamar o Bacon com seus espasmos, posso chamar o Cézanne com suas dobras de "recherche" de almas, procura de almas que seria a arte. A arte que só pode ser feita pelo pensamento porque o pensamento, à diferença da inteligência, é ele que entra em contato com essas almas, é o pensamento que entra em contato com os conceitos, é o pensamento que entra em contato com os objetos da ciência.

A inteligência tem uma outra função. A inteligência - o Proust, por sinal, detesta a inteligência, detesta os homens inteligentes porque eles são muito exitosos, 'né? Eles obtêm êxito, eles são fantásticos, maravilhosos, ele organizam o mundo, eles entendem significações estabelecidas. A função da inteligência é exatamente essa de dar conta das significações estabelecidas, organizar a utilidade, produzir instrumentos eficazes. O pensamento, não. A questão do pensamento é lidar com o caos. Então, o pensamento vai lidar con o caos da arte, o caos da filosofia e o caos da ciência. Uns vão para o caos da arte - Cézanne, Bacon (Proust, não. Proust foi para o que havia de maior.). Então, é exatamente essa a diferença em termos de prática do artista que busca sensações, o artista que busca os espasmos, as dobras e as germinações e aquele que representa objetos no mundo: um trabalhando com o pensamento e o outro com a inteligência.

Então, pensamento não seria humano. Humana é a inteligência. O inconsciente não seria humano, não seria psicológico. O pensamento é extrapsicológico, é o que se chama de singularidade.

O artista, ele sofre com uma ambiguidade muito grande, sobretudo por causa das práticas dele. Se ele não é um homem de percepção, se ele é um homem de percepto e, se ele não é um homem da inteligência, se ele é um homem do pensamento as práticas utilitárias, a administração da sua vida pessoal torna-se muito difícil. É claro que há determinados artistas excepcionais - como um inglês, Turner, jazzista Charles Parker

Criar um novo tipo de homem, criar um novo tipo de subjetividade - não essa subjetividade materializada que nós temos aí - que faça novos tipos de experiências, experiências de afecto, como a Suely Rolnik coloca na obra dela. Novos tipos de experiência é talvez a produção de uma nova forma de vida que é o que se objetiva exatamente com a arte. Porque o que eu estou explicando um pouco para vocês é mostrar que o ato de fazer arte, de produzir uma arte é simultâneo à produção de uma pedagogia, da produção de uma nova forma de vida. O artista é um educador, por incrível que pareça. Van Gogh é um educador, Artaud é um educador


[i] Diferença não é diversidade . Diversidade é dada e diferença é aquilo pelo qual o dado é dado. Diferença não é fenômeno mas é adjacente ao fenômeno. Todo fenômeno se refere a desigualdade pelo qual é condicionado . Tudo que acontece e tudo que aparece é correlato em diferentes ordens de diferença: de nível, de temperatura, de pressão, tensão, potencial, diferenças de intensidade. A gênese da forma na sua relação de negociação cultural e de tensão criativa (intuitiva) é guiado por intensidades, é imanente.

“Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente”


Este é um resumo com alguns poucos comentários do texto de Vilém Flusser “Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente”

“Texto/Imagem enquanto dinâmica do Ocidente” consiste na contradição existente entre o gesto que produz imagens e o gesto que produz textos. “O gesto rebate sobre a interioridade a transforma”. O gesto de imaginar (de fazer imagens) exprime imaginação – a produção de imagens fortalece a imaginação. O gesto de escrever textos exprime conceituação, quanto mais se escreve tanto mais se desenvolve a capacidade conceitual. Vilém Flusser conjetura que o inverso também ocorre se há redução da produção de imagens a imaginação diminui, a capacidade conceitual enfraquece com a escassez da produção de textos.
Vilém Flusser propôs quatro eventos cruciais na história ocidental, que permitem captar a “fenomenologia do espírito ocidental”. Primeiramente, com a imagem se articula a imaginação, com os primeiros textos se engendra a conceituação, com os primeiros impressos a conceituação começa a dominar a imaginação e com as primeiras fotografias advém uma imaginação nova, com conseqüências ainda imprevistas. Flusser propõe que o período entre Lascaux e os primeiros textos pode ser chamado de pré-história; enquanto o período que cobre os textos e os impressos Vilém Flusser chama de história no sentido exato da palavra; e finalmente o que parte da fotografia rumo ao que se segue pode ser chamado de “pós-história”.
A representação dos objetos: não mais alcançáveis pelas mãos, que deixam de ser manifestos – e passam a ser apenas superfícies que aparecem a vista – passam a ser “fenômenos aparentes”. “Ora, tais aparências possivelmente enganosas devem ser apanhadas simbolicamente por mãos portadoras de tintas. A intenção nisso é dupla: fixar visão fugaz e tornar tal visão acessível a outros. Imagem é visão tornada fixa e intersubjetiva. A confusão “crença” que a manipulação de imagens modifica objetos se converte em alucinação, em idolatria. E corresponde a consciência pré-histórica da magia.
Com os textos alfabéticos lineares constituem o gesto com que a o ocidente escreve, os elementos pictóricos (pictorema, idéia), ou, seja, “a superfície da imagem é transposta sobre linha, a fim que seu conteúdo seja contado um por um, seja calculado, “ex-plicado”. Os elementos pictóricos são transcodificados de “idéias” em conceitos.”
“No início, os elementos arrancados da imagem são serão modificados (escreve-se pictogramas), mais tarde serão conceitualizados (escreve-se ideogramas) e finalmente letras. Não se trata de substituir a bidimensionalidade da imaginação pela unidimensionalidade do pensamento conceitual, claro, distinto e progressivo. Os conceitos alinhados segundo regras “ortográficas” vão estabelecendo relações de cadeia (as da lógica, da causalidade).”
Surge uma zona conceitual entre o homem e sua imaginação através da qual o homem vai poder controlar sua imaginação para poder manipular racionalmente os objetos, com esse feedback a zona conceitual vai se desintensificando e as cadeias que ordenam o conceito vão ao extremos e se convertem em “textolatria”. De acordo com Flusser, não é verdade que a consciência imaginística tenha sido vencida ou reprimida, também não é verdade que a história ocidental seja ela própria processo linear que desenvolve imagens em textos, que transcodifica idéias em conceitos.
“Embora, os primeiros letrados (por exemplo, os profetas judeus e os pré-socráticos)[1] tenham violentamente engajado contra imagens, considerando-as alienantes (pecados, erros) as imagens resistiam a tais ataques. [Embora muitos assinalem a caracterização da imagem como eikon em oposição a logos, e uma civilização da imagem em contraposição a uma civilização da palavra]. A história do ocidente passou a ser dialética entre texto e imagem. O cristianismo, esta síntese do ocidente, pode ser visto como síntese entre texto e imagem[2].
Voltando a Flusser: com a invenção da imprensa a consciência histórica passou a dominar a sociedade toda. Isso porque impressos acessíveis e a introdução da escola obrigatória levam à uma inflação de textos. (...). “A conseqüência foi o domínio da ideologia de textos que obrigam a circunstância a adaptar-se ao escrito (...)”. Segundo esta hipótese de Vilém Flusser. “tal vitória do texto sobre a imagem é o fim da história ocidental sensu stricto. Os textos desimpedidos de imagens, vão projetando doravante sua própria estrutura sobre o mundo lá fora e cá dentro (calculi, campos, bit, elemento de desisão, actonia) conceitos inimagináveis (...).
Já o gesto fotográfico, trata de dar um passo para trás dos textos e arrancar conceitos dos quais são compostos, de torná-los imagináveis segundo Vilém Flusser:
 “A fotografia não é imagem de objetos, mas de elementos teoricamente concebidos (moléculas, fótons) e tais elementos concebidos vão ser imaginados (inseridos em imagem) a fim de representarem objetos. Por isso, toda fotografia vista de perto (“close reading”) deixa de ser imagem de objetos e passa a ser mosaico composto de partículas e intervalos.”
Durante a produção de imagens tradicionais o homem recua da circunstância a fim de abarcá-la com sua vista. Durante a produção das imagens técnicas o homem recua dos seus conceitos para imaginá-los. Vilém Flusser diz: “trata-se de computar o universo calculado (contado, concebido). De integrar os intervalos (os diferenciais) entre os elementos, a fim de pode imaginar (dar sentido) ao abismo absurdo. A consciência histórica linear, calculadora deve ceder lugar a consciência bidimensional, imaginativa, computadora. “Destarte, vai surgir zona imaginária nova entre o homem e seus conceitos (“o universo das imagens técnicas”), través do qual o homem vai poder imaginar seus conceitos”. Dado o feedback entre o gesto e a consciência, o universo das imagens técnicas (fotos, filmes, vídeos, imagens sintetizadas por computador) vai se desintensificando e nova capacidade de imaginar vai surgindo. O que é uma condição pós-histórica segundo Vilém Flusser. (...) “Ora, tal imaginação nova exige atitude nova perante o mundo” – ainda não conseguimos concebê-la apenas intuí-la diz Flusser.
“A consciência linear, histórica, textual projeta as regras da escrita sobre o mundo, e este vai adquiri caráter textual (...). Trata-se, pois, para a consciência histórica, decifrar o texto que é o mundo. é ele composto de signos (significantes), e tais signos devem ser interpretados. A consciência deve inclinar-se sobre o mundo significante e adequar-se a ele (...). Este gesto de inclinação é o da ciência da natureza. Ora a consciência emergente abandona decepcionada tal referência perante o mundo, porque “descobriu” que não há nada no mundo que possa ser decifrado. (...). Que o aparente caráter textual do mundo foi para lá projetado pela consciência humana (e sobretudo pela ciência da natureza). Que as ciências nada decifram da natureza a não ser a estrutura do seu próprio pensamento[3]. (...) é o homem quem projeta significado sobre mundo absurdo, e que tal projeção (...) é a dignidade humana.”
Trata-se, diz Flusser, “da reversão dos vetores de significado. Os textos históricos (tanto quanto as imagens pré-históricas) são espelhos que captam os signos provindos do mundo para interpretá-los. O mundo é seu significado.  As imagens técnicas são projetores que lançam signos no mundo, a fim de dar-lhes sentido. (...). Tais novas imagens significam conceitos cujo propósito é conferir significado ao mundo. Nova antropologia começa a cristalizar-se: o homem enquanto doador de sentido a si próprio e ao mundo.”
O propósito do pensamento conceitual (da consciência histórica) era criticar imagens, transcodificar idéias em conceitos. Seu propósito era des-magicizar, desmitificar, explicar, tornar claro e distinto. No quadro da nova consciência o propósito é servir a nova imaginação na sua tarefa de dar significado ao mundo.
“Tal nova antropologia terá sem dúvida conseqüências profundas, em sua maioria, imprevisíveis. Apenas um único exemplo: a ciência (...) deixará de ser disciplina que explica e passará a ser disciplina que confere significado. O que a transforma em disciplina artística, já que a arte (o pensamento imaginativo) sempre procura conferir significado. Ora, ciência enquanto uma entre as artes obrigará repensarmos os conceitos de “verdade” e “conhecimento”.”
Vilém Flusser diz que propõe neste ensaio que história é o processo graças ao qual imagens se desenvolvem em textos, portanto idéias transcodificadas em conceitos. Por sua vez, com a inversão da dialética “texto-imagem”, o engajamento histórico se torna inoperante, e isso Flusser chama da pós-história.´
Flusser diz que toda a história ocidental, nessa luta entre o conceito contra a idéia, se revela uma “comedia dos erros”. Em suma, o que Flusser denomina tragédia: “as imagens novas são a nossa derrota”.

Referências
FLUSSER, Vilém. Texto / Imagem Enquanto Dinâmica do Ocidente. In Cadernos Rioarte, Rio de Janeiro, ano II, n.5, jan., 1996
HANANIA, Aida R.. A palavra como arte. In http://www.hottopos.com.br/rih2/aida.htm
ULPIANO. Claudio. A Estética Deleuziana.  Oficina Três Rios (SP). (transcrição das fitas: Mara Selaibe), 1993
http://danielekizian.blogspot.com/2010/06/flusser-texto-e-imagem-para-ricardo.html



[1] Para Platão, a eikones é o mundo das imagens: reflexos, sombras, imagens do mundo das idéias. São cópias que se submetem ao modelo dado pelo mundo inteligível (em é possível a verdade, o bem e o belo). Mas, algum saber pode se constituir sobre as cópias porque o saber se dá sobre os objetos do mundo inteligível (das essências) – segundo Claudio Ulpiano.
[2] Entretanto, “Ao contrário da arte ocidental, fundada na poli-idealização, a arte árabe revela-se essencialista, expressando-se por uma forma decorativa não-figurativa, alicerçada fortemente na caligrafia do pensamento alcorânico” (...). "Na mesquita não há altares, não há imagens, mas há letras árabes em toda parte. Esses sinais, curiosamente revoltos e cursivos aparecem pintados e esculpidos nas paredes, tecidos nos tapetes e nos medalhões que pendem do teto. A letra árabe é a razão de ser da mesquita. (...)". Aida R. Hanania
[3] "... qualquer teoria em Física [científica] é sempre provisória, no sentido de que é apenas uma hipótese, você nunca pode prová-la em definitivo. Não importa quantas vezes os resultados das experiências estejam de acordo com algumas teorias, não se pode ter a certeza de que na próxima vez o resultado não irá contradizê-las. Por outro lado, você pode refutar uma teoria por encontrar uma única observação que não concorde com as suas previsões" - Stephen Hawking - Conforme publicado em Uma breve história do tempo
"A ciência só pode determinar o que é, não o que deve ser, e fora de seu domínio permanece a necessidade de juízos de valor de todos os tipos" (Albert Einstein). Conforme relatado por Singh, Simon - Big Bang (pág. 459)